Rio de Janeiro, 25 de Abril de 2024

O preço da separação

"Não fique triste, fique com tudo!" aconselha a socialite americana Ivana Trump nas cenas finais do filme "O Clube das Desquitadas".

Na trama, três mulheres cinqüentonas (personagens vividas pelas atrizes Goldie Hawn, Diane Keaton e Bette Midler) tentam se reeguer do divórcio, iniciando este processo com um ataque aos bolsos dos ex-maridos. A comédia agrada principalmente ao público feminino que na vida real já presenciou ou viveu situações similares.

"O dinheiro e os filhos podem se tornar um arma poderossíma nas mãos de quem se sente magoado", analisa a terapeuta de casal Mônica Levi. "Não é raro que o sentimento de vingança aflore em separações mal elaboradas." Autora do livro "Um novo começo: encontrando o amor", Mônica comenta que mais do se vingar, as personagens do filme conseguiram se despir do papel de vítima e assumir a condução de suas próprias vidas. "O dinheiro até pode ajudar, mas não é essencial."

Gisela Salvatore Duarte separou-se depois de 16 anos de casamento. O marido estava tendo um caso. Sócia dele em uma empresa de embalagens, Gisela teve que percorrer muitas salas de audiências até chegar a um acordo sobre a partilha de bens.

"Sabia que ele iria viver com a outra mulher e não podia aceitar a idéia de outra pessoa usufruir de bens que ajudei a construir." A empresária acabou abandonando o negócio em troca de três imóveis e uma pensão "razoável" para ela e os dois filhos do casal. "Seria insuportável ter de trabalhar com ele", comenta. "Mas não cedi nem um centavo: o que é meu é meu."

Especializada em direito de família e professora da Faculdade de Direito da USP, a advogada Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida explica que o tipo de regime de bens que o casal escolheu vai determinar o que cabe a cada um na hora da partilha de bens. "Os pontos que devem ser considerados na separação são: os bens, pensão alimentícia e guarda dos filhos", esclarece. "Todo processo deve ser regido pelo bom senso, inclusive no interesse dos filhos, devendo os cônjuges se lembrarem, de que casamento não é emprego."

 

"O importante é ficar de bem com a vida"

 

José Carlos Camargo e Carmem Solange Barnoci foram casados por cinco anos. Quando resolveram se separar, a divisão de bens não levou mais do que meia-hora. O apartamento que moravam era alugado e foi entregue à proprietária. Ambos trabalhavam como desenhistas, não tinham filhos e Carmem abriu mão de qualquer ajuda financeira. Coube a ele, a tarefa de escolher móveis, livros, discos, eletrodomésticos e os presentes de casamento. "Foi tudo muito amigável," comenta Camargo. "Este acordo facilitou a assimilação da dor que qualquer rompimento provoca."

Segundo Mônica Levi, o segredo está na maneira de como se "elabora" o relacionamento. "Não existe ato impensado, tudo é conseqüencia de uma elaboração", comenta. "A separação só não pode ter a conotação de fracasso." Na sua opinião, deve-se dividir a responsabilidade pelo fim sem culpar um a outro. "No balanço final, os dois são responsáveis: quem de alguma forma agrediu e quem se deixou agredir."

No seu livro, a terapeuta afirma que o casal tem quatro alternativas: viver bem juntos, separar bem, viver mal juntos e separar mal. "Cada um faça a sua escolha e a assuma", comenta. "O importante é ficar de bem com a vida sempre." Mônica lembra que esta opção dificilmente surge de um dia para o outro. O processo de desgaste é gradual e nem sempre o elemento "traição" está presente. "Quando casamos, fazemos um contrato ímplicito com a outra pessoa," explica. " O que pode acontece é que com o passar do tempo o que nos parecia um objetivo comum já não é mais verdadeiro."

Camargo relembra que ele e sua ex-mulher não passaram por nenhuma "grande crise". "A atração foi acabando", comenta. "Já não sentíamos vontade de um estar com o outro". Falta de diálogo, desinteresse, desrespeito e gestos como os olhos nos olhos são sinais que os companheiros devem estar atentos. "É essencial perceber o outro e o próprio relacionamento o tempo todo," aconselha a terapeuta. Quem fecha os olhos para esses detalhes, pode se arrepender no futuro. Geralmente ou se sai da relação magoada com o parceiro ou consigo mesma, no mais autêntico "mea culpa".

Antes de se decidir pelo fim da relação, Mônica sugere que o casal tente dialogar, ler livros sobre o assunto e até procurar a ajuda de um profissional. Se a separação for inevitável, é imprescíndivel se despedir adequadamente. Elaborar todos os resquícios de mágoas e ressentimentos. Resumindo: é preciso pôr um ponto final na relação, jamais terminá-la com uma reticências.

Lei ajuda diminuir sofrimento

Como separar-se não é fácil, quanto menos demorados forem os procedimentos burocráticos, melhor. E nessas situações, melhor prevenir do que remediar. Alguns detalhes jurídicos adotados antes do casamento podem evitar constrangimentos em um possível processo de divórcio.

Um deles é escolher com rigor o tipo de regime de bens a ser adotado. Após a chamada lei do divórcio, promulgada em 1977, se o casal não se manifestar, automaticamente passará a valer o regime parcial de comunhão de bens. Neste caso, somente os bens adquiridos após a união poderão se comunicar entre si, ou seja, entrarão em um futura partilha. No regime de comunhão total de bens, o que tiver sido conquistado antes , assim como o que foi comprado depois do casamento será repartido entre os cônjuges. No regime de separação total, os bens pertencem unicamente a quem os comprou ou herdou. "Esse regime facilita a separação judicial", comenta a advogada Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida. "Representa uma briga a menos, pois cada um já sabe o que possui."

Armando Leonel esteve casado por três anos com Ana Lúcia Silveira. Herdeiro de uma rede de lojas, Leonel e Ana Lúcia optaram pelo o regime de separação total de bens. Quando se separaram, Ana Lúcia teve que deixar o apartamento em que viviam porque pertencia ao ex-marido. Como estava cursando o último semestre da Faculdade de Administração de Empresas e não estava empregada, solicitou uma pensão alimentícia. "Precisava de alguma coisa para recomeçar", explica. O juiz decidiu que ela receberia R$ 1,8 mil por mês durante um ano. "Com este prazo e esta quantia, pude arrumar um emprego e alugar um apartamento."

A advogada Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida esclarece que a pensão alimentícia independe da partilha dos bens. Os filhos possuem este direito garantido por lei. A esposa pode ou não receber a pensão. "O juiz não aceita que o pai deixe de prover alimentos ao filhos", informa Silmara. "Mas, atualmente, pensão apenas para a mulher é analisado com muito cuidado e geralmente se opta por saídas alternativas." Vale lembrar que, em alguns casos, como desemprego e invalidez, a mulher pode vir a pagar uma pensão ao ex-marido. O valor da pensão é resultado da seguinte equação: necessidade de quem pede versus possibilidade de quem vai pagar. "Procura-se o meio termo para que ninguém perca muito", acrescenta a advogada.

Outro ponto importante é a questão do sobrenome, o chamado patronímico. A mesma lei de 1977, permite a mulher escolher se quer acrescentar ou mudar o sobrenome. Em fevereiro de 1992, uma alteração na lei de divórcio, estabeleceu que, ao se divorciar, a esposa perde o direito ao sobrenome do marido. É permitido mantê-lo apenas se a mudança causar prejuízo aos filhos ou a identificaçatilde;o profissional da mulher. Silmara aconselha as mulheres a permanecer com o nome de solteira. "O direito ao nome é que defende a privacidade e a personalidade da mulher."

Para a advogada, a separação já provoca muita discussão e um grande desgaste emocional entre os cônjuges. Se a mulher conservar seu nome de solteira, terá um problema a menos a enfrentar. Ela lembra que há inúmeros casos em que o marido não quer que a mulher continue a utilizar o patronímico dele após o divórcio. "Com esta atitude, a mulher pode evitar mais uma situação polêmica e até humilhante para ela."

Conheça seus direitos

Tipos de regimes de bens adotados

  • Regime de comunhão universal de bens: todos os bens que os cônjuges possuem ou vierem a posssuir passam a pertencer igualmente aos dois.
  • Regime de comunhão parcial de bens : todos os bens adquiridos pelos cônjuges ou constituídos depois da união pertencem, por igual, aos dois. Heranças ou bens comprados anteriormente à data do casamento não entram na partilha. Depois de 1977, ano em que a Lei do Divórcio entrou em vigor, o casal que não opta por outro regime fica automaticamente vinculado a este.
  • Regime convencional de separação total de bens: os bens adquiridos ou constituídos antes ou durante o casamento, pertencem exclusivamente a quem os comprou ou herdou.
  • Regime legal de separação total de bens: Mulheres com mais de 50 anos e homens com mais de 60 anos são obrigados pela lei a adotar este regime. Como no convencional, os bens adquiridos antes do casamento pertencem exclusivamente a quem os comprou, herdou ou recebeu em doação. Os adquiridos depois do casamento são de ambos ("comunhão de aquestos"), de acordo com a orientação do Supremo Tribunal Federal.
  • Pela nova lei do concubinato (maio de 1996), a companheira há mais de cinco anos terá mais direitos do que a mulher casada com separação total de bens. Ela tem o direito de pedir pensão e partilha de 50% dos bens, constituídos após a união. Em caso de morte do parceiro, terá também direito a 50% desses bens. A grande diferença entre a Lei do Concubinato, de dezembro de 1994 e a atual, é que a anterior exigia a colaboração financeira dos companheiros para que houvesse direito à partilha de bens.

Separação

  • Separação judicial amigável ou consensual: ambas as partes concordam com a separação e decidem entre elas questões como partilha de bens, guarda e visita aos filhos e pensão alimentícia.
  • Separação judicial litigiosa: uma das partes será considerada culpada pelo fim da união. Neste caso, o culpado não terá direito a pensão alimentícia, mas participará normalmente da partilha de bens. A justificativa para o pedido deste tipo De separação pode ser o descumprimento dos deveres dos cônjuges (fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência material e moral e sustento, guarda e educação dos filhos) ou conduta desonrosa (contrária à moral ou aos bons costumes, agressão física ou verbal, embriaguez, uso de tóxicos,etc), mais a insuportabilidade da vida em comum (requisito cumulativo com o descumprimento dos deveres dos cônjuges ou com a conduta desonrosa).
  • O divórcio pode ser requerido após um ano da separação judicial ou dois anos da separação dos corpos. Normalmente, para conceder o divórcio o juiz apenas confere se o decurso do tempo está dentro da lei. Partilha de bens, pensão alimentícia e guarda dos filhos são questões resolvidas na separação. Pode haver divórcio direto (decorridos dois anos da separação de fato) amigável, no qual os cônjuges decidirão de comum acordo essas questões.
  • Após o divórcio, a mulher perde o direito de usar o sobrenome do marido. O sobrenome é mantido apenas em casos de prejuízo aos filhos e para a identificação profissional da mulher.

Pensão alimentícia

  • Os filhos menores de 21 anos ou, se forem universitários, até o final do curso superior têm direito a pensão alimentícia.
  • Tanto o homem quanto a mulher podem requerer pensão alimentícia. Ambos podem ter direitoa pensão desde que quem faça o pedido não tenha uma renda econômica e que não venha a coabitar com outra pessoa, sob regime de casamento ou união estável. Direito à pensão não se confunde com o dever de castidade. A mulher ou o marido podem abrir mão da pensão. Porém, a justiça não permite que os pais deixem de prover o sustento dos filhos.
  • O valor será fixado pelo juiz na proporção das necessidades de quem recebe e dos recursos de quem paga. Este valor pode ser revisto em caso de desemprego, aumento ou diminuição de patrimônio.
  • Na falta de pagamento da pensão, pode-se pedir a prisão civil do devedor.

(R.B.)

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Regina Bochichi

Fonte:Estadão