Em novembro, quando eu estava de férias em Londres, foi ao meu quarto do hotel, consertar o ar condicionado, um sujeito pequeno, gordinho e circunspecto. Era de Chipre, uma ilha-pais na costa da Turquia. Quando eu disse que vinha do Brasil, os olhinhos azuis dele se fecharam num ar de cumplicidade.
"Fui casado com uma brasileira", contou.
"Que sorte a sua", eu respondi. O cipriota fez cara de que não fora tão bom.
"Era uma mulher muito ciumenta", ele disse. "São todas assim?"
Vocês me digam, leitoras e leitores. Eu respondi ao sujeito que não, mas ele fez cara de que não estava convencido. Vai saber o que a conterrânea havia aprontado com ele.
Lembrei do cara de Londres ao ver o filme A rede social. Há nele uma cena em que a namorada de um dos fundadores do Facebook põe fogo no cesto de lixo durante um surto psicótico de ciúme. O filme foi baseado num livro que, supostamente, conta as coisas como elas aconteceram. Conclui-se que o ciúme doentio não é coisa apenas de mulher brasileira.
Na minha experiência pessoal, o ciúme não tem sido frequente. Houve uma namorada que fazia questão de ser agressiva com todas as mulheres que se aproximavam.
Era uma demarcação gratuita de território que me deixava furioso. Outra gostava de fazer comentários privados para desqualificar as moças atraentes ao nosso redor: vulgar, burra, biscate. Tinha-se a impressão de que ela era a Grace Kelly, sem o ser.
Haverá quem se envaideça com esse tipo de demonstração de insegurança, mas eu sempre achei detestável. Homens ciumentos matam, mulheres ciumentas sabotam a relação devagarzinho. Na canção Medo de amar, Vinícius de Moraes diz que o ciúme "é o perfume do amor". Eu diria que é o veneno.
Mas, pelo que leio nos blogs e ouço das amigas, "todas" as mulheres fazem besteiras por ciúme. Às escondidas. É normal que encarnem a louca do Facebook e se ponham a fuçar o perfil da gatinha que acabou de começar no escritório do namorado. Ou vasculhem os bolsos das calças dele atrás de evidências de vida paralela. Há quem avance a linha do tolerável e vá espiar o celular ou email do marido - coisas que, segundo a lei brasileira, são puníveis com cadeia.
Muitas dessas ações e sentimentos se alimentam de impulsos interiores que pouco ou nada têm a ver com a realidade.
As pessoas imaginam situações e agem de acordo com elas, em total desacordo com as circunstâncias. É uma questão de história pessoal e de personalidade. Mas isso e só um pedaço da explicação.
Outra parte da ciumeira feminina é socialmente alimentada. Existe no Brasil uma cultura do barraco em que as mulheres são ensinadas desde crianças a se colocar como vítimas agressivas.
São vítimas das outras mulheres (vacas, piriguetes e vagabundas) e dos homens (safados, malandros, mentirosos). Por isso é legítimo controlar, demarcar, ameaçar - com a tácita aprovação das companheiras. Se não existisse essa cultura do barraco, o ciúme seria tratado com muito menos tolerância.
Tal como é, porém, ele virou "tempero do amor". Muitas mulheres acreditam que pegar no pé do parceiro faz parte da etiqueta do afeto. Outras repetem que sem medo de perder não há desejo. Juram que ciúme é prova de amor.
Pode ser, mas eu duvido.
Lembro de ter ciúme de uma mulher com quem eu transava muito pouco. Lembro de ser amado por mulheres que me davam inteira liberdade. Recordo o constrangimento, a raiva e as discussões noite adentro motivadas pelo descontrole da parceira.
Por isso tenho certeza que ciúme, amor e desejo não constituem uma trindade indissolúvel.
A questão é: como mostrar isso para a mulher ciumenta que espera o seu telefonema?
Com demonstrações de afeto verdadeiro, eu acho. Com um comportamento leal. Com conversas que a façam entender que exibições de ciúme são destrutivas.
Com a insistência em que existem outras maneiras de ser mulher além daquela preconizada pela cultura do barraco. Com a descoberta comum de que a felicidade passa pela redução, não pelo cultivo do ciúme.
Pode-se amar uma mulher ciumenta, mas não se deveria fingir que ela está certa - nem permitir que os medos dela controlem sua vida. Ou a dela.
Crédito:Luiz Affonso
Autor:Ivan Martins
Fonte:Época