Viver em sociedade tornou-se uma aventura sofisticada, haja vista o crescimento das aparências ter se multiplicado de alguns anos para cá.
Refiro-me a encenação de que tudo vai bem quando na verdade não vai, como no casamento que já despencou ladeira abaixo, mas que ainda é apresentado sob a forma de lua-de-mel.
O casal finge que se ama para as pessoas de convívio (parentes, vizinhos e colegas de trabalho), e elas, quando têm consciência a respeito, fingem que o par se encontra bem.
Todavia, este grupo de relacionamento é restringido em boa parte dos casos, quando o casal limita a sua presença para outros tipos de eventos considerados “perigosos” à imagem positiva que deve ser assegurada fervorosamente.
Há encontros que não devem ser freqüentadas e o volume de desculpas para se desvencilhar deles cresce com o passar do tempo.
Para uns, não comparecer é uma decisão consciente, para outros, contudo, não.
Embora possa existir sinceridade e transparência acerca da rejeição declarada ao cônjuge perante os conhecidos, a justificativa para a recusa de um convite social recai sobre qualquer outro fator, menos a aparência.
É inconsciente.
Não obstante, todo este espetáculo é causador de enorme gasto de energia e mal-estar, tanto pela manutenção da farsa quanto pelo conflito interno que aumenta a passos largos.
Não é brincadeira sustentar o show permanentemente porque é trabalhoso.
Em seu livro Contra o amor, a pesquisadora estadunidense Laura Kipnis aponta que: Um estado de monogamia “feliz” seria definido como um estado em que você não tem de trabalhar para mantê-lo.
Na verdade, quando você está trabalhando nele, sabe que deu errado, que alguma coisa já se perdeu.
Ainda que seja possível continuar assim por tempo indeterminado, há um preço a se pagar.
Em conseqüência de tais simulações, quantas pessoas tristes e descrentes sofrem neste exato momento?
Que nível de frustração as acomete?
E o temor de situações vindouras?
Kipnis lembra bem quando escreve: ...no atual regime emocional, como sabemos, apaixonar-se também nos compromete com o fundir.
O que significa que não se fundir, quando necessário, é terrível para o ego e geralmente é traumático.
O medo e a dor de perder o amor são tão esmagadores que a maioria de nós fará qualquer coisa para evitá-los...
É neste ponto que devemos fazer uma pausa, que poderá ser seguida por algumas questões reflexivas: O que depende quase que exclusivamente de nós para avaliar a questão?
Será a aceitação do fato primeiramente?
Ou fingimos não dizer respeito a nós, escapando fugidiamente de ter de encarar tal realidade?
O que nos impede de buscar ajuda especializada para encontrar aliados neste momento essencial?
Talvez exista um bom número de possibilidades para explicar tamanha resistência em tocar no assunto e revirá-lo.
Além do aspecto emocional, podemos destacar a vaidade, cuja influência pode ser bem forte.
O status proporcionado por uma imagem de vida feliz provoca angústia nas pessoas quando elas passam a conviver com o inevitável desconforto dos desajustes domésticos. (Lembremos que é a vida escolhida por elas mesmas.)
Se tal incômodo toca a sua vaidade e abre uma ferida, demonstrando algum tipo de fracasso, então, inicia-se o corre-corre das aparências para inverter o jogo.
Laura Kipnis tocou fundo ao afirmar que: Apesar de toda suposta liberdade, a maioria de nós escolhe parceiros com uma semelhança notável conosco – economicamente e na esfera social, da educação e da raça. Em outras palavras, apesar de toda a suposta liberdade, as normas sociais que regem a escolha do parceiro são meticulosas e precisas... A diferença é que agora é tabu reconhecê-las, o que pode equivaler a menos liberdade em vez de mais, em relação aos casamentos arranjados antigamente.
Com efeito, emerge um leque de perguntas: O que mais valorizamos na hora de nos lançarmos à difícil convivência (naturalmente) com um estranho?
Que valores estão presentes?
E nos casos em que o relacionamento desanda, aceitamos o fato com humildade e sabedoria para ponderar ou o encaramos como uma batalha, cegos pelo ódio e a vaidade de quem não admite perder, sobretudo por ter “escolhido” de forma independente, porém “errada”?
Eis alguns pontos a serem avaliados sobre a aparência estabelecida socialmente.
Mas fica aqui a sugestão: Há momentos em que não importa o que os outros pensam, mas tão somente a convicção do que é melhor para si próprio, ainda que isto custe o pior do pensamento alheio.
*Armando Correa de Siqueira Neto é psicólogo e diretor da Self Consultoria em Gestão de Pessoas. É professor e mestre em Liderança pela Unisa Business School. E-mail: selfcursos@uol.com.br
Crédito:Luiz Affonso
Autor:Armando Correa de Siqueira Neto
Fonte:Universo da Mulher