Ai, que preguiça
Calçadões cheios de gente fazendo exercícios, academias lotadas, quadras e campos de futebol disputados por times de pelada. Se alguém acha que essas cenas fazem parte do cotidiano da maioria dos cariocas, está enganado. Uma pesquisa feita pelo Departamento de Epidemiologia da Uerj com 4.300 moradores do Rio descobriu que 77% das mulheres e 59,8% dos homens entrevistados são sedentários, ou seja, raramente se exercitam. O estudo da Uerj, feito pelos pesquisadores Rosely Sichieri, Valéria Barbosa Gomes e Kamile Santos Siqueira, avaliou cariocas acima de 12 anos, em diversas regiões, e é o único do gênero no país.
Pouquíssimas cidades do mundo têm dados sobre o grau de atividade física de sua população. O que encontramos aqui no Rio é uma situação preocupante. Uma proporção tão grande de sedentários como essa aumenta os casos de obesidade e problemas cardíacos disse Rosely.
Rio terá campanha para ginástica
Preocupada com esses índices, a Secretaria municipal de Saúde lançará no domingo, 7 de abril, a campanha Agita Rio, com caminhadas em 16 diferentes pontos da cidade, para fazer a população deixar a preguiça de lado e encarar os exercícios físicos de forma prazerosa. Entre os lugares das caminhadas estão a Avenida Atlântica (em Copacabana), a Avenida Sernambetiba (no trecho do Recreio dos Bandeirantes), a Quinta da Boa Vista e a Vila Olímpica da Maré.
Os dados preocupantes da pesquisa não se referem apenas aos exercícios físicos regulares. Toda a rotina do carioca foi considerada de baixa atividade. Apenas 9% dos homens e 7% das mulheres, por exemplo, vão para o trabalho andando ou de bicicleta. Durante o expediente, a baixa atividade também predomina: um terço dos entrevistados gasta até 150 quilocalorias (kcal) por hora de trabalho, índice considerado muito baixo. A pesquisa revela ainda que o carioca que menos pratica atividade física é o que mora longe da Zona Sul e pertence às classes mais baixas.
A maior parte das regiões do Rio é carente de espaço e mobiliário para a atividade física. O poder público deveria combater esse problema com urgência disse Rosely.
Para o nutricionista Leonardo Hauss, no entanto, o problema do sedentarismo é grave em toda a cidade, inclusive na Zona Sul, e é uma questão cultural. Para ele, o culto ao corpo perfeito existente no Rio provoca em muita gente efeito contrário, fazendo com que as pessoas desistam de fazer exercícios e engordem.
Muitos cariocas acham que não é possível atingir o corpo perfeito exigido pelo senso comum. Por isso, param de se exercitar, engordam e deixam de se preocupar também com a saúde. Mas há também um grupo de cariocas que, independentemente da questão estética, é assumidamente inimigo do exercício disse ele.
Um exemplo de carioca que detesta malhar é a empresária Vanessa Rouvier Domingos, de 24 anos. Ela diz que não se adapta a uma vida cheia de exercícios:
De tanto ouvir que o carioca é aquele sujeito que malha o tempo todo, passei a me identificar mais com os paulistas. Agora, com essa pesquisa, percebi que não sou minoria.
Outro que quer distância da academia é o ator André Mattos, que interpreta dom João VI na minissérie Quinto dos infernos, da TV Globo:
Sou um carioca tranqüilão, que gosta de admirar a natureza do Rio, sem o estresse dos exercícios.
O endocrinologista Walmir Coutinho confirma que casos como o de Vanessa e André são comuns até mesmo na Zona Sul. Para ele, é preciso um trabalho de conscientização sobre a importância que a atividade física tem para a qualidade de vida:
Ninguém nunca se preocupou com o índice de atividade física no Rio porque a cena dos calçadões lotados leva a pensar que todo mundo se exercita. Só que esse pessoal representa uma parcela pequena da população. Fiz um estudo com cerca de 200 crianças obesas, clientes de meu consultório, e descobri que 87% delas são sedentárias. Isso precisa mudar.
A campanha carioca é inspirada em iniciativa semelhante realizada na capital paulista e batizada de Agita São Paulo. No Rio, a prefeitura aposta na campanha para mudar os hábitos sedentários dos moradores.
Apenas 30 minutos por dia de exercícios fazem uma enorme diferença diz Viviane Castelo Branco, gerente do Programa de Saúde do Adolescente do município. Queremos estimular o carioca a se exercitar mais no trabalho, em casa e em qualquer outro lugar. Descer do ônibus um ou dois pontos antes de casa, por exemplo, é uma excelente oportunidade para fazer uma caminhada.
Escritores que saíram em defesa do ócio
A preguiça pode ser um dos pecados capitais, mas há quem diga que ela é o melhor remédio contra o estresse, o tédio e a mesmice. Desde o século XIX, escritores como Paul Lafargue defendiam o direito de ficar à toa. Para eles, a preguiça é sinônimo de vontade de não se enquadrar, seja ao trabalho excessivo, seja à prática habitual de atividades físicas, e está longe de ser um defeito: seria um ato saudável de rebeldia e de personalidade. Autor do livro O direito à preguiça, obra que se tornou referência para movimentos esquerdistas e anarquistas de todo o mundo, Lafargue considerava o amor ao trabalho e às atividades excessivas como doença e dizia que esse tipo de comportamento provocava a degeneração intelectual e a deformação orgânica.
Hoje, o italiano Domenico de Masi é o mais conhecido herdeiro das idéias de Lafargue. Em livros como O ócio criativo, ele mostra que as idéias que revolucionaram a ciência e a arte surgiram nas horas de ócio dos grandes inventores. Pessoas com o tempo todo tomado pelo trabalho e por outras atividades, entre elas os exercícios físicos, têm pouco espaço para o instrumento mais poderoso do século XXI: a criatividade.
Calçadões cheios de gente fazendo exercícios, academias lotadas, quadras e campos de futebol disputados por times de pelada. Se alguém acha que essas cenas fazem parte do cotidiano da maioria dos cariocas, está enganado. Uma pesquisa feita pelo Departamento de Epidemiologia da Uerj com 4.300 moradores do Rio descobriu que 77% das mulheres e 59,8% dos homens entrevistados são sedentários, ou seja, raramente se exercitam. O estudo da Uerj, feito pelos pesquisadores Rosely Sichieri, Valéria Barbosa Gomes e Kamile Santos Siqueira, avaliou cariocas acima de 12 anos, em diversas regiões, e é o único do gênero no país.
Pouquíssimas cidades do mundo têm dados sobre o grau de atividade física de sua população. O que encontramos aqui no Rio é uma situação preocupante. Uma proporção tão grande de sedentários como essa aumenta os casos de obesidade e problemas cardíacos disse Rosely.
Rio terá campanha para ginástica
Preocupada com esses índices, a Secretaria municipal de Saúde lançará no domingo, 7 de abril, a campanha Agita Rio, com caminhadas em 16 diferentes pontos da cidade, para fazer a população deixar a preguiça de lado e encarar os exercícios físicos de forma prazerosa. Entre os lugares das caminhadas estão a Avenida Atlântica (em Copacabana), a Avenida Sernambetiba (no trecho do Recreio dos Bandeirantes), a Quinta da Boa Vista e a Vila Olímpica da Maré.
Os dados preocupantes da pesquisa não se referem apenas aos exercícios físicos regulares. Toda a rotina do carioca foi considerada de baixa atividade. Apenas 9% dos homens e 7% das mulheres, por exemplo, vão para o trabalho andando ou de bicicleta. Durante o expediente, a baixa atividade também predomina: um terço dos entrevistados gasta até 150 quilocalorias (kcal) por hora de trabalho, índice considerado muito baixo. A pesquisa revela ainda que o carioca que menos pratica atividade física é o que mora longe da Zona Sul e pertence às classes mais baixas.
A maior parte das regiões do Rio é carente de espaço e mobiliário para a atividade física. O poder público deveria combater esse problema com urgência disse Rosely.
Para o nutricionista Leonardo Hauss, no entanto, o problema do sedentarismo é grave em toda a cidade, inclusive na Zona Sul, e é uma questão cultural. Para ele, o culto ao corpo perfeito existente no Rio provoca em muita gente efeito contrário, fazendo com que as pessoas desistam de fazer exercícios e engordem.
Muitos cariocas acham que não é possível atingir o corpo perfeito exigido pelo senso comum. Por isso, param de se exercitar, engordam e deixam de se preocupar também com a saúde. Mas há também um grupo de cariocas que, independentemente da questão estética, é assumidamente inimigo do exercício disse ele.
Um exemplo de carioca que detesta malhar é a empresária Vanessa Rouvier Domingos, de 24 anos. Ela diz que não se adapta a uma vida cheia de exercícios:
De tanto ouvir que o carioca é aquele sujeito que malha o tempo todo, passei a me identificar mais com os paulistas. Agora, com essa pesquisa, percebi que não sou minoria.
Outro que quer distância da academia é o ator André Mattos, que interpreta dom João VI na minissérie Quinto dos infernos, da TV Globo:
Sou um carioca tranqüilão, que gosta de admirar a natureza do Rio, sem o estresse dos exercícios.
O endocrinologista Walmir Coutinho confirma que casos como o de Vanessa e André são comuns até mesmo na Zona Sul. Para ele, é preciso um trabalho de conscientização sobre a importância que a atividade física tem para a qualidade de vida:
Ninguém nunca se preocupou com o índice de atividade física no Rio porque a cena dos calçadões lotados leva a pensar que todo mundo se exercita. Só que esse pessoal representa uma parcela pequena da população. Fiz um estudo com cerca de 200 crianças obesas, clientes de meu consultório, e descobri que 87% delas são sedentárias. Isso precisa mudar.
A campanha carioca é inspirada em iniciativa semelhante realizada na capital paulista e batizada de Agita São Paulo. No Rio, a prefeitura aposta na campanha para mudar os hábitos sedentários dos moradores.
Apenas 30 minutos por dia de exercícios fazem uma enorme diferença diz Viviane Castelo Branco, gerente do Programa de Saúde do Adolescente do município. Queremos estimular o carioca a se exercitar mais no trabalho, em casa e em qualquer outro lugar. Descer do ônibus um ou dois pontos antes de casa, por exemplo, é uma excelente oportunidade para fazer uma caminhada.
Escritores que saíram em defesa do ócio
A preguiça pode ser um dos pecados capitais, mas há quem diga que ela é o melhor remédio contra o estresse, o tédio e a mesmice. Desde o século XIX, escritores como Paul Lafargue defendiam o direito de ficar à toa. Para eles, a preguiça é sinônimo de vontade de não se enquadrar, seja ao trabalho excessivo, seja à prática habitual de atividades físicas, e está longe de ser um defeito: seria um ato saudável de rebeldia e de personalidade. Autor do livro O direito à preguiça, obra que se tornou referência para movimentos esquerdistas e anarquistas de todo o mundo, Lafargue considerava o amor ao trabalho e às atividades excessivas como doença e dizia que esse tipo de comportamento provocava a degeneração intelectual e a deformação orgânica.
Hoje, o italiano Domenico de Masi é o mais conhecido herdeiro das idéias de Lafargue. Em livros como O ócio criativo, ele mostra que as idéias que revolucionaram a ciência e a arte surgiram nas horas de ócio dos grandes inventores. Pessoas com o tempo todo tomado pelo trabalho e por outras atividades, entre elas os exercícios físicos, têm pouco espaço para o instrumento mais poderoso do século XXI: a criatividade.
Crédito:Luiz Affonso
Autor:Leonardo Valente
Fonte:O Globo