Privação é um dos sentimentos mais difíceis de ser administrado. A maioria das pessoas lida mal com a frustração. De uma maneira geral, ficam com raiva, tristes, deprimidas ou simplesmente negam o fato de estarem sem algo que lhes é importante.
Desde muito pequenas, as pessoas experimentam diariamente uma grande quantidade de desejos que não podem ser realizados ou que devem ser adiados.
Com o passar do tempo, encontram formas reais de realizar suas vontades ou as modificam para que sejam possíveis.
Em qualquer tratamento que se faça, onde se visa a redução de peso, a maior dificuldade encontrada pelas pessoas é encarar a privação a que são submetidas.
Essa dificuldade acontece porque os alimentos não satisfazem somente o corpo, mas as emoções. Todos nós reconhecemos o bem que um prato de macarronada ou um doce é capaz de fazer com qualquer tristeza ou desamparo.
Poder comer o que se quer, na hora em que se está com vontade, representa para todos a expressão máxima de autonomia, do real poder de decisão. Em contra partida, ficar restrito a certos alimentos pode significar, mesmo que temporariamente, o rompimento com o livre arbítrio, com o poder de escolha.
Todo esse quadro dificulta e muito a elaboração de qualquer dieta e mesmo seu cumprimento.
No começo, empolgadas e motivadas, as pessoas até conseguem fazer adequadamente uma ou outra dieta. Mas, com o passar do tempo, se a diferença entre o hábito alimentar daquela pessoa e a dieta for muito grande, o tratamento tende a naufragar.
Não se pode adotar, para uma redução de peso real, mudanças muito profundas no modo como nos alimentamos. Desprezar origens étnicas, tradições familiares, gostos e modos de vida são os erros mais comuns dos pretendentes as dietas.
Existem milhares de receitas, de programas ou mesmo livros que são realmente competentes em seus objetivos, mas poucos se adequam aos nossos hábitos ou ao que estamos acostumados a comer.
O que ouvimos normalmente são as pessoas perguntarem:
Mas eu nunca mais vou comer chocolate?
Não posso comer mais pão?
E a minha macarronada de domingo?
Durante algum tempo até vai ser possível seguir um programa que subtrai o que se gosta, mas não vai durar muito.
Depois de alguns meses, a pessoa volta a comer o que gosta, do jeito que gosta e volta a engordar e, desta vez, mais rápido e mais.
A real mudança de hábito alimentar não elimina alimentos, modifica a forma como esses alimentos são consumidos e sua quantidade. Comer chocolate é uma delícia, mas uma caixa ou mesmo três de uma só vez, vai saciar a cabeça não o estomago.
O que normalmente se faz é eliminar os alimentos que temos dificuldade de conter sua ingestão para conquistar nossos objetivos e isso acaba custando caro, porque não se mantém.
Suprir carências emocionais com comida é, sem dúvida, a pratica mais barata que desenvolvemos: é fácil, é rápido e dá para fazer sozinho, só não dá para suportar o resultado.
Logo, para tratar o corpo deve-se ter respeito pela pessoa que habita esse corpo e não ignorar sua estória afetiva.
Fazer uma dieta que não tem nada a ver com a gente é a mesma coisa que vestir uma roupa que não é nosso estilo: vamos usar poucas vezes e depois deixar de lado.
A obesidade reflete um comportamento alimentar inadequado, que só pode ser corrigido com uma orientação correta que leve em conta todas as variáveis que envolvem as rotinas das pessoas e seus gostos.
Além disso, precisamos ter em mente que quando falamos de comida estamos falando de prazer que para muitos é de extrema importância, pois ocupa o lugar de outros prazeres mais difíceis de serem satisfeitos.
Satisfazer desejos é uma necessidade humana, mas se o único desejo que pode ser satisfeito é comer, então precisamos ficar mais atentos, pois ignorar nossas outras necessidades é que é privação.
Silvana Martani – Psicóloga e especialista em obesidade da Clínica de Endocrinologia da Beneficência Portuguesa - www.psicologa.psc.br
Crédito:Silvana Martani
Autor:Silvana Martani
Fonte:Materia Prima