Ser mulher é, sem dúvida nenhuma, uma das tarefas mais complicadas do planeta. Tarefa que não tem tempo para acabar. Começa quando a gente nasce e só acaba quando a gente morre.
Nascer mulher é complicado.
Desde bebê a menina é acometida de vaidades - da mãe, é claro - e vira uma boneca, literalmente.
Com todos os adornos possíveis, as bebês circulam incomodadas nos colos de suas mães: são tiaras, chapéus, fitas e presilhas nos cabelos, vestidinhos e sapatos.
Todo esse aparato piora à medida em que a menina cresce e, se os adornos são desprezados ou atirados longe, logo é taxada de ¨pouco feminina¨.
Com o corpo, as coisas também não são nada fáceis. Todo mundo olha para o corpo da menina. Se é gordinha, quando crescer, vai emagrecer, é só uma fase; se é magra, vai ter que engordar. De alguma maneira nunca está bom.
Rotuladas desde pequenas e sem muita noção do preconceito, as meninas começam muito cedo a experimentar o que a sociedade espera delas: a beleza.
Estimuladas a serem ¨femininas¨ desde pequenas, as meninas passam a se preocupar com roupas e moda, acessórios e mochilas desta ou daquela marca e a eleger na TV ou nas revistas, seus ídolos.
Basta a gente olhar um pátio de escola ou mesmo os corredores do shopping para observar o desfile das meninas.
Outro dia, observei uma menina na entrada de sua escola que tinha tantas presilhas no cabelo que me deu dor de cabeça.
Com roupas apertadas, saltos e umbigo de fora, as meninas passam a imitar as mulheres e descaracterizam sua infância de meninas.
Mas as coisas não param por aí.
Estar acima do peso mesmo na infância é um problema. A criança com sobrepeso ou obesa é, desde cedo, diferenciada das outras e passa a sofrer os prejuízos de sua condição.
Esses prejuízos são claros no grupo que freqüenta, nos esportes e nos relacionamentos, uma vez que nesta fase de desenvolvimento todo mundo quer se dar bem com todo mundo e a moeda forte é a quantidade de amigos.
Nos grupos, dia sim dia não, ouve que é gorda, nos esportes é ¨lerda¨ e nos relacionamentos é santa, sempre boazinha. É claro que, cansada de gozação e ultrajes, faz que não liga, que não gosta de esportes, de usar roupas da moda - só usa calça, camiseta e tênis - e passa a agir como diferente, fica introvertida e sofre. Sabemos também, que esse sofrimento pode aparecer de outra maneira. Com atitudes exageradas, indisciplina, desatenção nos estudos e até recusa escolar, a menina também está mostrando como vive seus desafetos.
E os pais, o que podem fazer?
Ser pai ou mãe de meninas é uma delícia que merece cuidados a mais. Muito pequenas, parecem meninos: brincam, jogam, pulam e se divertem sem se darem conta de que são diferentes. Mas basta crescerem um pouco que a situação muda e a migração para o amplo mundo feminino começa. Os pais passam a ser mais zelosos e as mães mais preocupadas e naturalmente a menina percebe, mas não entende.
No aspecto físico, os pais normalmente atribuem o aumento de peso à fase de desenvolvimento da criança, mas as coisas não são bem assim. Orientados por seus pediatras, os eles não gostam de ouvir que seus filhos estão acima dos padrões esperados para aquela idade.
Relutam em aceitar que os pequenos precisam ser tolhidos de seus alimentos preferidos e morrem de dó.
Todos nós sabemos que crianças adoram guloseimas e que os pais adoram comprá-las. As prateleiras de doces, iogurtes, salgadinhos, balas e as bolachas mais caras e recheadas, sempre estão na altura e ao alcance delas e, uma vez na mão dos pequenos é quase impossível dizer não. Além do mais, na infância o mito do ¨tudo pode¨ e que se forem negados os alimentos a criança vai ficar doente, é fato.
Mas a criança acaba não passando vontade dos alimentos e passando vontade de carinho, de respeito e de afeto.
Cuidar das meninas é poder olhar para dentro delas, é perceber suas necessidades reais, é ajudá-las a sentirem-se bem e integradas com seu corpo e não menosprezar a importância que a sociedade dá a isso.
Alimentar as meninas corretamente, inibir seus abusos alimentares, não solucionar suas frustrações com doces e incentivá-las nos esportes é, sem dúvida, a maior expressão de amor que os pais podem dar às futuras mulheres, que um dia, de frente para o espelho, vão lembrar deles e se sentirem amadas por elas também.
Silvana Martani – Psicóloga e especialista em obesidade da Clínica de Endocrinologia da Beneficência Portuguesa - www.psicologa.psc.br
Crédito:Renata Rebesco
Autor:Silvana Martani
Fonte:Materia Prima