Ansiedade para ter status leva a crises de depressão
Ela tinha facilidade de transitar entre as pessoas certas e farejar talentos; o apelido do ex-marido virou sobrenome e trouxe à senhora José Bonifácio de Oliveira Sobrinho uma "mídia muito boa".
Regina Boni era enturmada: na conversa com ela pipocam nomes como Caetano, Gal, Roberto Carlos, Antunes Filho, Baravelli. Trabalhou com figurino, foi dona de butique, editora de moda. Nos anos 80, fundou a galeria São Paulo e passou a ser uma das mais festejadas anfitriãs de arte da cidade.
Mas o prestígio evoluiu na mesma proporção que os desafetos. Ela diz que muita gente (inclusive críticos e artistas consagrados) acabou lhe virando as costas. A galeria não resistiu; 21 anos após a inauguração, Regina vai deixar o ponto. Ela solta gargalhadas curtas, cortadas por frases sérias, ao contar que adoeceu com o que chama de "decadência".
"Envelheci, passei a ter crises de angústia e ansiedade. Minha imunologia baixou, fui internada 16 vezes nos últimos três anos, estive entre a vida e a morte."
A depressão aguda de Regina foi o fim de um quadro típico de "status anxiety", a ansiedade por status, que causa danos em qualquer classe social -principalmente em tempos de recessão- e castiga quem vive ou corre risco de enfrentar perdas na posição social.
"Isso pode acontecer em todas as carreiras, mesmo nas que não enaltecem a competição. A pessoa desenvolve ansiedade, porque sente a sobrevivência ameaçada. Mas isso não quer dizer que esteja insatisfeita com o que tem", diz a psicóloga Simone Mello Suruagy.
Sociedade capitalista
Típica de sociedades capitalistas, a ansiedade por status é, para o filósofo suíço Alan de Boutton, mal moderno. Em anos feudais, descreve ele, o berço ditava a regra: nascia-se camponês ou nobre, exceto por caprichos do rei.
A hierarquia passou depois a ser definida pela capacidade de cavar um lugar ao sol. Esse modelo é psicologicamente incômodo: ele devolve a cada pessoa a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso.
"A fama funciona como droga. Você fica dependente dela", diz o ator Eduardo Tornaghi, que voltou a viver a exposição pública com o filme "O Príncipe", de Ugo Giorgetti, no qual contracena com Bruna Lombardi.
Tornaghi, 50, se afastou da TV há mais de 20 anos, quando o autor Gilberto Braga despachou seu personagem na novela "Dancin" Days" (1978) para o Amazonas.
"Não consegui construir bem o Raulzinho, o Gilberto me ligou dizendo que o tiraria da trama. Concordei, mas não fiquei satisfeito. Queria que ele e o Daniel (Filho), dois gênios da TV brasileira, me salvassem. Não é fácil admitir que não é mais o super-homem que a mídia construiu e o público espera que você seja."
Ele se sentiu "meio herói" ao sair "da estrutura da Globo", mas... "Depressão, angústia e estresse vieram quando havia gasto o dinheiro que ganhei em bailes de debutantes com projetos de teatro que só me deram prejuízo."
E agora?
A mudança de status pode gerar perda da "embalagem social", como define o psicólogo José Antonio Pinotti, e das referências. "Nadei dos quatro aos 23 anos; minha identidade estava totalmente estruturada na natação.
O que eu ia colocar no lugar dela?", indaga o nadador Ricardo Prado, 37, lembrando sua saída das competições no auge da carreira.
Vice-campeão olímpico, dois recordes, sul-americano e brasileiro, Prado diz que não suportou o peso da responsabilidade. "Estava estressado, sentia que carregava o país nas costas. Era o Guga, mas sem receber os milhões que ele ganha hoje. No fim, me tornei prepotente, me irritava à toa."
Economista formado nos EUA, tentou seguir carreira em banco, mas não conseguia largar a imagem de campeão.
"Nada do que tentei em outras áreas deu certo. Virei assistente de treinador e ficava ali, os alunos jogando pranchas em mim. O peso de ser campeão continuava, e agora eu não era nada na minha profissão."
Prado ficou dez anos sem nadar, chegou a engordar 15 quilos, mas as cobranças não paravam. "Não queria fazer exercício porque minha vida toda tinha sido aquilo. O pior é que a expectativa das pessoas ainda era me encontrar com corpinho do campeão. Ouvia coisas e ficava mais deprimido."
O mergulho na auto-estima é devastador, diz o executivo José Luiz Pereira de Barros, 59, vítima do detonador de crises de ansiedade mais comum: desemprego.
"Comecei a desconfiar da minha competência, entrei para o clube dos fracassados. Deixei de ir a restaurantes frequentados por pessoas de sucesso porque não teria o que contar", afirma.
Sua vida era perfeita até 1986: diretor de recursos humanos numa multinacional, ganhava cerca de R$ 20 mil, com bônus, carro da empresa, plano de saúde VIP e viagens para o exterior.
Comprou apartamento próprio e criava os dois filhos adolescentes nos melhores colégios particulares. "Um dia meu chefe me disse que queriam minha cabeça.
Estava na empresa havia oito anos e não conseguia entender a demissão."
Barros teve de enxugar gastos. "Cheguei a ir ao colégio dos meninos para transferi-los para um público, mas a diretora foi muito humana e me propôs que pagasse só 10% da mensalidade."
"De uma hora para outra, ninguém mais me recebia. Eu queria visitar antigos colegas no escritório deles para me inteirar do mercado, mas todos arranjavam desculpa para não me atender. Sabe o efeito gangorra? Eu me sentava, todo mundo se levantava."
A recolocação só veio depois de dois anos, com o convite de uma multinacional. Mais tarde, o mesmo homem que o demitiu na primeira empresa o chamou para voltar.
"Voltei, mas desta vez estabeleci as minhas regras: exigi um salário bem maior, benefícios ainda mais especiais e disse que só ficaria dois anos. Pretendia só juntar dinheiro para abrir a minha própria consultoria. Assim foi."
"O mais curioso é que sempre trabalhei em RH, mas hoje sei exatamente o que se passa do outro lado quando tenho de admitir ou demitir alguém", explica.
Eduardo Tornaghi diz que teve um aprendizado valioso com a queda. "Você tem que aprender a não se embebedar com o prazer nem se desesperar com a dor."
Regina Boni era enturmada: na conversa com ela pipocam nomes como Caetano, Gal, Roberto Carlos, Antunes Filho, Baravelli. Trabalhou com figurino, foi dona de butique, editora de moda. Nos anos 80, fundou a galeria São Paulo e passou a ser uma das mais festejadas anfitriãs de arte da cidade.
Mas o prestígio evoluiu na mesma proporção que os desafetos. Ela diz que muita gente (inclusive críticos e artistas consagrados) acabou lhe virando as costas. A galeria não resistiu; 21 anos após a inauguração, Regina vai deixar o ponto. Ela solta gargalhadas curtas, cortadas por frases sérias, ao contar que adoeceu com o que chama de "decadência".
"Envelheci, passei a ter crises de angústia e ansiedade. Minha imunologia baixou, fui internada 16 vezes nos últimos três anos, estive entre a vida e a morte."
A depressão aguda de Regina foi o fim de um quadro típico de "status anxiety", a ansiedade por status, que causa danos em qualquer classe social -principalmente em tempos de recessão- e castiga quem vive ou corre risco de enfrentar perdas na posição social.
"Isso pode acontecer em todas as carreiras, mesmo nas que não enaltecem a competição. A pessoa desenvolve ansiedade, porque sente a sobrevivência ameaçada. Mas isso não quer dizer que esteja insatisfeita com o que tem", diz a psicóloga Simone Mello Suruagy.
Sociedade capitalista
Típica de sociedades capitalistas, a ansiedade por status é, para o filósofo suíço Alan de Boutton, mal moderno. Em anos feudais, descreve ele, o berço ditava a regra: nascia-se camponês ou nobre, exceto por caprichos do rei.
A hierarquia passou depois a ser definida pela capacidade de cavar um lugar ao sol. Esse modelo é psicologicamente incômodo: ele devolve a cada pessoa a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso.
"A fama funciona como droga. Você fica dependente dela", diz o ator Eduardo Tornaghi, que voltou a viver a exposição pública com o filme "O Príncipe", de Ugo Giorgetti, no qual contracena com Bruna Lombardi.
Tornaghi, 50, se afastou da TV há mais de 20 anos, quando o autor Gilberto Braga despachou seu personagem na novela "Dancin" Days" (1978) para o Amazonas.
"Não consegui construir bem o Raulzinho, o Gilberto me ligou dizendo que o tiraria da trama. Concordei, mas não fiquei satisfeito. Queria que ele e o Daniel (Filho), dois gênios da TV brasileira, me salvassem. Não é fácil admitir que não é mais o super-homem que a mídia construiu e o público espera que você seja."
Ele se sentiu "meio herói" ao sair "da estrutura da Globo", mas... "Depressão, angústia e estresse vieram quando havia gasto o dinheiro que ganhei em bailes de debutantes com projetos de teatro que só me deram prejuízo."
E agora?
A mudança de status pode gerar perda da "embalagem social", como define o psicólogo José Antonio Pinotti, e das referências. "Nadei dos quatro aos 23 anos; minha identidade estava totalmente estruturada na natação.
O que eu ia colocar no lugar dela?", indaga o nadador Ricardo Prado, 37, lembrando sua saída das competições no auge da carreira.
Vice-campeão olímpico, dois recordes, sul-americano e brasileiro, Prado diz que não suportou o peso da responsabilidade. "Estava estressado, sentia que carregava o país nas costas. Era o Guga, mas sem receber os milhões que ele ganha hoje. No fim, me tornei prepotente, me irritava à toa."
Economista formado nos EUA, tentou seguir carreira em banco, mas não conseguia largar a imagem de campeão.
"Nada do que tentei em outras áreas deu certo. Virei assistente de treinador e ficava ali, os alunos jogando pranchas em mim. O peso de ser campeão continuava, e agora eu não era nada na minha profissão."
Prado ficou dez anos sem nadar, chegou a engordar 15 quilos, mas as cobranças não paravam. "Não queria fazer exercício porque minha vida toda tinha sido aquilo. O pior é que a expectativa das pessoas ainda era me encontrar com corpinho do campeão. Ouvia coisas e ficava mais deprimido."
O mergulho na auto-estima é devastador, diz o executivo José Luiz Pereira de Barros, 59, vítima do detonador de crises de ansiedade mais comum: desemprego.
"Comecei a desconfiar da minha competência, entrei para o clube dos fracassados. Deixei de ir a restaurantes frequentados por pessoas de sucesso porque não teria o que contar", afirma.
Sua vida era perfeita até 1986: diretor de recursos humanos numa multinacional, ganhava cerca de R$ 20 mil, com bônus, carro da empresa, plano de saúde VIP e viagens para o exterior.
Comprou apartamento próprio e criava os dois filhos adolescentes nos melhores colégios particulares. "Um dia meu chefe me disse que queriam minha cabeça.
Estava na empresa havia oito anos e não conseguia entender a demissão."
Barros teve de enxugar gastos. "Cheguei a ir ao colégio dos meninos para transferi-los para um público, mas a diretora foi muito humana e me propôs que pagasse só 10% da mensalidade."
"De uma hora para outra, ninguém mais me recebia. Eu queria visitar antigos colegas no escritório deles para me inteirar do mercado, mas todos arranjavam desculpa para não me atender. Sabe o efeito gangorra? Eu me sentava, todo mundo se levantava."
A recolocação só veio depois de dois anos, com o convite de uma multinacional. Mais tarde, o mesmo homem que o demitiu na primeira empresa o chamou para voltar.
"Voltei, mas desta vez estabeleci as minhas regras: exigi um salário bem maior, benefícios ainda mais especiais e disse que só ficaria dois anos. Pretendia só juntar dinheiro para abrir a minha própria consultoria. Assim foi."
"O mais curioso é que sempre trabalhei em RH, mas hoje sei exatamente o que se passa do outro lado quando tenho de admitir ou demitir alguém", explica.
Eduardo Tornaghi diz que teve um aprendizado valioso com a queda. "Você tem que aprender a não se embebedar com o prazer nem se desesperar com a dor."
Crédito:Fatima Nazareth
Autor:Paulo Sampaio
Fonte:Revista da Folha