Rio de Janeiro, 23 de Novembro de 2024

Médicos mercenários?

Por Cadri Massuda*

 

Apesar de ter se tornado destaque na mídia recentemente, os casos envolvendo próteses e a conduta inadequada de profissionais da saúde não são novidade e já têm sido colocados em discussão há algum tempo pela sociedade. O que se observa é que há certa omissão por parte das associações e conselhos da classe médica, e a ausência de punição adequada tem permitido que essas práticas continuem acontecendo.

São médicos que indicam não apenas órteses e próteses, mas também solicitam exames especificando em qual laboratório ou clínica eles devem ser realizados e também receitam medicamentos de altíssimo custo de determinadas indústrias. Em troca, recebem comissões, que podem ser em dinheiro ou em benefícios, como presentes, viagens ou congressos.

Isso mostra que está havendo uma inversão de valores no setor. Os preceitos de Hipócrates estão sendo deixados de lado neste cenário em que o poder econômico se sobrepõe à ética e ao compromisso do profissional com a saúde do seu paciente.

Esta situação vem sendo denunciada no caso das próteses ortopédicas, mas se estende às cirurgias vasculares, cardíacas, neurológicas, na oftalmologia e muitas outras áreas. São casos em que profissionais recebem das fabricantes até 30% sobre o valor do material utilizado. Do lado das empresas operadoras de plano de saúde, este custo chega a representar até 25% do sinistro – que é o que se gasta para prestar o serviço. E não são raras as situações em que o uso da prótese não é indicado para o paciente, podendo até piorar o caso.

Neste momento, associações de classe e poder público precisam aproveitar a repercussão do assunto para de fato promover uma mudança. A punição precisa ser severa e efetiva para que essas denúncias não se tornem apenas uma gota no oceano e desapareçam. Há 20 anos, os Estados Unidos sofriam de um cenário similar e o Governo norte-americano agiu de maneira inflexível, cassando profissionais, fechando empresas e prendendo os envolvidos.

Nessa cadeia perversa, além de fabricantes, distribuidores, médicos e hospitais, ainda há mais um elo que precisa de fiscalização: os escritórios de advocacias que criaram uma verdadeira indústria de liminares. Eles são sustentados pelas grandes empresas agindo para garantir que juízes dêem parecer favorável em relação ao uso de materiais, medicamentos ou realização de exames, muitas vezes bem intencionados, mas sem o conhecimento especializado para dar suporte a suas decisões.

Ou seja, é um cenário que precisa de mudanças: fiscalização do poder público – Polícia Federal e Receita Federal – sobre as empresas fabricantes e distribuidoras, fiscalização das associações e conselhos de classe sobre os profissionais da saúde, criação de câmaras técnicas setoriais nos estados que não a possuem para servirem de consultoria a juízes em casos de liminares na área da saúde ou nos casos dos quais estão presentes, uma atuação mais incisiva de conciliação entre as partes envolvidas. E, acima de tudo, ações punitivas efetivas para mostrar que a saúde e o bem-estar da população devem estar à frente dos interesses econômicos de pequenos grupos.

 

* Cadri Massuda é presidente da Abramge PR/SC – Associação Brasileira de Medicina de Grupo Regional Paraná e Santa Catarina

Crédito:Milena Pokrand

Autor:Cadri Massuda

Fonte:Literato Comunicação