- Como é seu café da manhã? pergunto. Meu pequeno paciente olha para o teto pela primeira vez. Parece que não estou falando com ele ou sobre ele e que o assunto é muito chato.
- Não dá tempo de tomar e não tenho fome nesse horário. Levanto e vou para escola - me responde já mal-humorado.
Nossas crianças estão ficando, a cada dia, mais obesas e seus pais muito preocupados. Não se lembram quando tudo começou. Sabem apenas que não conseguem mais controlar os hábitos alimentares inapropriados dos filhos. Informam que por mais que tentem, não conseguem convencê-los a tomar café da manhã. Pergunto se eles, os pais, fazem essa refeição e a resposta eu já esperava, o pai toma apenas café e a mãe prefere fazer o desjejum mais tarde, pois diz que só sente fome às 9 horas.
-Você leva alguma coisa para comer na escola ou compra o lanche na cantina? pergunto.
Novamente, a criança parece se distanciar da conversa e não gostar do assunto. Mas faz uma concessão e responde:
- Ninguém leva lanche, é o maior mico. Compro meu lanche na cantina - responde.
- Muito bem. E o que você costuma comprar na cantina da escola?
- Refrigerante e misto quente. Às vezes, um pedaço de pizza ou uma esfiha.- responde mais animado.
Há algum tempo, levar lanche para a escola tem sido encarado como uma caretice, principalmente, porque a maioria das cantinas oferece opções muito mais interessantes e saborosas. Lá, as crianças encontram alimentos muito calóricos, repletos de gordura saturada, mas muito agradáveis ao paladar. O pior de tudo é que o consumo deste tipo de alimento é diário e a prática vai gerando um hábito quase impossível de ser revertido: o gosto pelo alimento de sabor mais forte, mais salgado ou mais doce, geralmente, mais rico em gordura e muito, muito saboroso.
Alternativas
Um Decreto publicado pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, no dia 24 de março de 2005, tenta reverter este quadro e melhorar a qualidade dos alimentos servidos nas cantinas das escolas estaduais do Estado.
As principais recomendações feitas pela Secretaria são a moderação no consumo de açúcares, gordura e sal; a substituição de refrigerantes por sucos, bebidas lácteas ou à base de extratos ou fermentados (soja, leite etc.); a substituição de frituras por salgados e doces assados; evitar a venda de balas, gomas de mascar e salgadinhos industrializados em pacotes; a opção pela venda de barras de chocolate menores de 30g. Além de mudar o cardápio, a portaria determina a implantação de um programa educativo interdisciplinar nas escolas onde professores de ciências e educação física vão abordar a importância da boa alimentação, em suas aulas.
- Você gosta de frutas? - pergunto com curiosidade.
Meu paciente boceja, mas mesmo assim responde:
- Gosto, mais não muito.
- De que frutas você gosta? - insisto.
A criança passa a mão na cabeça e começa a movimentar o cabelo em movimentos circulares.
O tempo passa enquanto ele pensa nas frutas possíveis de serem apreciadas. Com pena, eu interrompo a dificuldade dele e passo a citar as frutas mais consumidas. Não consigo empolgação por nenhuma. Talvez o suco de laranja e o morango, mas somente no sorvete... É a resposta que obtenho.
Uma das grandes dificuldades em se implementar o consumo de frutas entre as crianças e criar um hábito saudável entre elas é a natural comparação que elas fazem com o sabor forte dos salgadinhos, dos chocolates e dos sanduíches. As frutas perderão sempre esta guerra. A criança precisa de um tempo para incorporar o sabor suave das frutas, para criar o hábito de comê-las, antes que seu paladar seja totalmente envolvido pelo forte apelo saboroso das gorduras e das frituras. Como protegê-las desse contato até que os laços definitivos com o sabor suave dos alimentos se concretizem? Essa é uma tarefa de todos nós.
- Você almoça em casa todos os dias? - pergunto.
- Duas vezes por semana eu faço educação física na escola e como lá mesmo. Todas as sextas feiras, como com meus amigos no shopping.
- Na cantina, eu já sei o que você come e nas sextas-feiras, como é seu almoço?
- Comemos sanduíche e tomamos sorvete - responde satisfeito.
As diversas atividades extra-curriculares das nossas crianças, também têm impedido que elas se alimentem corretamente. Tudo muito parecido com a vida dos pais, só que muito mais precoce e com efeitos deletérios muito previsíveis, a começar pela própria obesidade. Muitas vezes, os pais se sentem muito felizes e orgulhosos ao ver os filhos engajados em diversas atividades, pois se eles voltam para casa, geralmente, comem sozinhos. Nós nunca podemos estar à mesa com eles... Sentimos alívio quando a escola assume nosso papel ou quando amigos ou avós o fazem.
- E no jantar? Você costuma comer comida? Janta com seus pais?
- Os meus pais chegam muito tarde. Meu pai gosta de comer no sofá, assistindo ao jornal. Eu como outras coisas enquanto espero por eles.
Nesse momento, a mãe parece mais incomodada e responde à minha pergunta, como se desculpando. Diz que o paciente come salgadinhos e chocolates durante à tarde e que nunca quer jantar. Pergunto se ela compra salgadinhos e chocolates no supermercado do mês e ela diz que sim...
Meu paciente percebe a tensão que as perguntas vão gerando e começa a brincar com um joguinho eletrônico que trouxe na mochila. Não queria estar ali.
Diante deste quadro, podemos entender a dificuldade do tratamento da obesidade infantil. O principal interessado, muitas vezes, nem entende o motivo de tanta preocupação, não entende o que é ser obeso e muito menos o que é ser doente. Mesmo assim, não podemos pedir que os pais voltem ao consultório mais tarde, quando a criança começar a se interessar pelo problema. Precisamos utilizar autoridade e criatividade para tratar a obesidade infantil. Precisamos do auxílio da família, sem culpas ou ressentimentos, precisamos da ajuda de uma equipe multiprofissional composta por pediatras, nutrólogos, endocrinologistas, psicólogos e nutricionistas. Precisamos, fundamentalmente, motivar a criança, para que ela possa se envolver no tratamento da obesidade.
O envolvimento familiar no tratamento da obesidade infantil é fundamental para o sucesso do mesmo. É preciso entender que quando uma criança se torna obesa, muito provavelmente, ela está sendo exposta a alimentos com alta densidade calórica e os hábitos de toda a família devem ser mudados. Este, geralmente, é o ponto mais difícil.
Dados do problema
Um levantamento feito pela Organização Panamericana de Saúde, revelou que a obesidade infanto-juvenil no Brasil avançou 240% nos últimos 20 anos. Estima-se que entre 20% e 25% das crianças e dos adolescentes brasileiros sofram de obesidade ou sobrepeso.
No Brasil, o excesso de peso infantil triplicou nos últimos anos, ao considerar a prevalência de 4,1% no Censo do IBGE 1974/75, em comparação aos 13,9% encontrados no Censo de 1997. Complicações relacionadas à obesidade, tais como hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes não insulino-dependente, antes diagnosticadas somente nos adultos, hoje, estão, cada vez mais, freqüentes tanto nas crianças como nos adolescentes.
A dieta das crianças deve ser individualizada. Por estarem em fase de crescimento, nossas crianças precisam se alimentar bem. Não podemos impingir muitos sacrifícios: elas não devem ser obrigadas a comer o que não gostam e também não devem ser privadas dos alimentos que gostam, desde que entendam que todos temos limitações ao ingeri-los.
As crianças devem ser estimuladas a praticar atividades físicas, independente de estarem obesas ou não. A prioridade se dá para esportes coletivos, que socializam e divertem. A ociosidade é a oportunidade para o consumo desordenado de alimentos, sob a forma de guloseimas, com conseqüente ganho de peso.
Ellen Simone A. O. Paiva
Com 24 anos de profissão, a goiana Ellen Simone A. O. Paiva graduou-se em medicina pela Universidade Federal de Goiás, em 1981. Foi lá também que fez residência em Clínica Médica. Já em São Paulo, especializou-se, primeiro, em Endocrinologia, depois em Nutrologia, na USP. Com intensa atividade profissional e acadêmica é mestre na área de nutrição e diabetes pela USP. É, hoje, titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, SBEM, da ABRAN, Associação Brasileira de Nutrologia e do International Colleges for the Advancement of Nutrition, ICAN. É também a diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional.
Com 24 anos de profissão, a goiana Ellen Simone A. O. Paiva graduou-se em medicina pela Universidade Federal de Goiás, em 1981. Foi lá também que fez residência em Clínica Médica. Já em São Paulo, especializou-se, primeiro, em Endocrinologia, depois em Nutrologia, na USP. Com intensa atividade profissional e acadêmica é mestre na área de nutrição e diabetes pela USP. É, hoje, titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, SBEM, da ABRAN, Associação Brasileira de Nutrologia e do International Colleges for the Advancement of Nutrition, ICAN. É também a diretora clínica do CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional.
CITEN - Centro Integrado de Terapia Nutricional
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Conjuntos 63 e 64
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Crédito:Anna Elizabeth
Autor:Márcia Wirth
Fonte:Márcia Wirth