Uma legião de garotas usa a internet para se informar sobre anorexia e bulimia, distúrbios alimentares ligados a uma idéia fixa ser magra. O surpreendente é que essa tribo não quer evitar o problema. Elas procuram em páginas da rede apoio para sua obsessão, às escondidas dos pais. Mais de 100 sites americanos que cultuam a anorexia e a bulimia como estilo de vida já foram banidos. Outros continuam no ar. Estima-se que 80 mil garotas de várias partes do mundo freqüentam esses endereços, onde trocam experiências e utilizam um vocabulário peculiar. Eles denominam a si próprios de "pro-ana" (a favor da anorexia). "Acorde de madrugada para fazer exercícios enquanto seus pais estão dormindo", propôs a adolescente J.F.H. num fórum de discussão de um desses sites. "Não coma mais de 200 calorias por dia, porque dá um enorme sentimento de culpa", completa a garota, que diz ter 13 anos, 1,65 metro e 40 quilos. "Ninguém entende que a anorexia é uma escolha, uma dieta, um estilo de vida que não tem nada a ver com instabilidade emocional", escreveu outra.
Megan, apelido adotado por uma americana de 22 anos, criou o próprio site em defesa da doença. Ela diz que não está pronta para voltar a comer alimentos calóricos e pretende continuar dando suporte ao grupo que freqüenta suas salas de bate-papo. Em resposta ao mal que poderia estar causando a outras pessoas, pontifica: "Quem procura meu site tem um propósito, que é emagrecer. Se algumas garotas escolhem morrer, a decisão é delas".
Obcecadas por um padrão de beleza que é uma caricatura do que se vê nas passarelas, as adolescentes acabam fazendo uma imagem distorcida de seu corpo. Nunca se acham magras o bastante. Os vilões são os seios e a barriga, que invariavelmente consideram grandes demais. Começam a ter dificuldades de relacionamento porque só pensam em emagrecer. "Cheguei a pesar 36 quilos e ainda queria perder mais", diz Cléa Hasegava, de 16 anos e 44 quilos, que passou por graves distúrbios alimentares. Há dois anos, ela começou a alternar jejuns prolongados com momentos em que devorava o que via pela frente. Na ocasião, estava só um pouco gordinha. Pesava 58 quilos, distribuídos em 1,53 metro.
escreveu outra.
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Cléa procurava informações na internet com tal assiduidade que decorou a quantidade de calorias de cada alimento. Quando a fome apertava, tomava água e chupava balas dietéticas. E se exercitava durante três horas por dia na academia, muitas vezes sem nada no estômago. Emagreceu tanto que parou de menstruar. "Eu me afastei dos amigos porque ninguém me agüentava. Na volta da escola, andava umas dez estações de metrô só para queimar calorias."
Para ela, Gisele Bündchen que pesa 51 quilos e mede 1,79 metro é o sinônimo da perfeição. "Gisele é maravilhosa", suspira Cléa. O psicoterapeuta Marco Antonio De Tommaso, que atende modelos das agências Elite e L"Equipe, explica que é inviável ser magra como Gisele. "Ela é uma exceção porque consegue manter o peso comendo alimentos calóricos", garante. "Já me ofereceu pipoca doce, que guardava na bolsa." Em uma pesquisa realizada com 110 lindas modelos, Tommaso observou que todas estão insatisfeitas com alguma parte do corpo e mais de 90% se dispõem a fazer implante de silicone e lipoaspiração. Tão difícil quanto alcançar a suposta perfeição é procurar tratamento. Como as meninas não acham que estejam realmente magras, a internação em grande parte dos casos é a única saída. "Ou interna, ou não tem mais jeito", diz o psicoterapeuta Tommaso. "Elas se isolam nas refeições, fingem que comem, vomitam em segredo, trocam os medicamentos receitados e substituem os comprimidos por laxantes e diuréticos." A anorexia e a bulimia costumam ter origem em problemas emocionais da puberdade. A erotização precoce também estaria relacionada ao aumento do número de casos entre pré-adolescentes. Segundo a Associação Americana de Psicologia, a mortalidade alcança até 30% das vítimas. É o distúrbio psicológico que mais mata no planeta.
Os sites que exaltam a anorexia e a bulimia encarnam uma inversão de valores da internet. Cultuam uma doença, em vez de informar sobre a saúde. "Imagine um endereço voltado para mulheres que desejam ter câncer de mama. Essa analogia mostra o absurdo dessas páginas", diz a médica americana Diane Mickley, especializada em distúrbios alimentares. Portais de busca como o Yahoo! e o Google censuram sites pró-anorexia. Mas os programas de filtragem, usados para evitar que crianças sejam atraídas para páginas de pedofilia e pornografia, ainda não reconhecem a exaltação à anorexia e à bulimia como uma ameaça.
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Crédito:Fatima Nazareth
Autor:Luciana Vicaria
Fonte:Época