Rio de Janeiro, 29 de Março de 2024

Escola expulsa aluna por usar droga

Polêmica da droga volta à escola
Pouco mais de um ano depois de quatro alunos serem expulsos da Escola Parque por admitirem que fumaram maconha durante uma excursão, o Colégio Rio de Janeiro — para onde os estudantes foram transferidos — sente agora de perto o cheiro da polêmica envolvendo o uso de drogas. De acordo com uma psicóloga, moradora do Leblon, sua filha de 16 anos foi obrigada pela direção a deixar o colégio, na Gávea, nas próximas duas semanas depois de ter sido flagrada na última sexta-feira por uma inspetora quando se preparava para consumir cheirinho-da-loló — uma combinação de duas substâncias tóxicas — dentro do banheiro da escola durante uma festa junina.

— Estou profundamente indignada. Nunca esperava que a escola tomasse uma atitude dessas. A coordenação me chamou, não para conversar, mas para informar que minha filha teria de ser transferida para outro colégio. Disseram que a indicariam como uma boa aluna, que nunca teve problemas, mas não quis compactuar com a farsa. Queria que o caso fosse discutido, não que minha filha fosse simplesmente expulsa — reclamou a psicóloga.

A aluna, que começou a fazer terapia depois do caso, disse que chorou bastante nos últimos dias e também ficou surpresa com a atitude do colégio. Ela contou que, quando foi flagrada junto com uma colega de 14 anos, o fato foi logo alardeado pela inspetora na escola e ela teve 20 minutos para sair do colégio e voltar para casa. Sua mãe só teria sido informada pela direção esta semana, já com a expulsão decidida:

— Eu mesma contei tudo para a minha mãe logo depois que aconteceu. Depois disso, senti muita vergonha. Não queria mais falar com ninguém. Queria me isolar do mundo. Só agora que estou começando a me recuperar. Depois das atitudes que a escola tomou, hoje sou eu que não sei se quero voltar para lá.

Procurada pelo GLOBO, a direção do colégio disse que só se pronunciará sobre o caso com os pais e os alunos envolvidos. Fundado em 1934, o Rio de Janeiro é considerado hoje uma das 20 melhores escolas particulares da cidade. Com mensalidades na faixa de R$ 700, seu público é formado basicamente por estudantes de classe média e classe média alta da Zona Sul. Já passaram pela escola nomes como os atores Guilherme Karan e Malu Mader e os músicos Tom Jobim e Paulinho Moska.

Mãe garante que filha é boa aluna

Segundo a psicóloga, sua filha já estudava há quatro anos no colégio, nunca havia tido qualquer problema disciplinar e tirava boas notas. Além da filha de 16 anos, ela ainda tem uma outra mais nova estudando atualmente na 8 série do ensino fundamental. A psicóloga vai pensar se tira ou não a outra filha da escola.

— Se não fosse esse caso, eu diria que o colégio é excelente. Não tenho nada do que me queixar a respeito do ensino. Pode ser até que minha outra filha continue estudando no Rio de Janeiro, se eu sentir que há clima para isso.

A jovem de 16 anos afirmou que estava usando pela primeira vez o cheirinho-da-loló quando foi flagrada. Segunda ela, sua amiga também vai ser expulsa. A estudante não soube precisar como a droga chegou à escola e disse apenas que a recebeu de um outro colega:

— Foi a minha primeira vez e por azar já fui apanhada. Pode ser que o mesmo já tenha acontecido outras vezes dentro da escola, mas nunca ninguém foi flagrado.

A psiquiatra Maria Thereza de Aquino, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Uerj, que acompanhou o caso da Escola Parque, vê com pesar a atitude do Rio de Janeiro. Para ela, a expulsão só colabora para o isolamento da jovem.

— Acho lamentável que as escolas ainda não tenham aprendido a lidar de forma didática com casos como estes. É triste que ainda não consigam aplicar a pedagogia na hora de abordar a questão das drogas. Desse jeito, parece que o problema só vai ficar saltando de um lado para o outro. Ontem, foi da Escola Parque para o Rio de Janeiro. Hoje, do Rio de Janeiro para alguma outra qualquer. Onde vamos parar? — perguntou a psiquiatra.

O presidente interino do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Município do Rio de Janeiro (Sinepemrj), Edgar Flexa Ribeiro, preferiu não condenar a escola, dizendo que é bastante difícil escolher a forma de repressão:

— Se a direção não faz nada agora, o que pode acontecer? Será que não vai parecer que a escola está incentivando a prática? A droga é um problema universal e não dá para pensar que as escolas têm uma solução mágica para a questão.
"Minha filha vai perder todos os amigos’
X.

Não vejo como expulsar a minha filha pode ajudar a diminuir o uso de drogas entre os jovens. Achei, depois de iniciativas como a novela “O clone”, que abordou muito bem a questão, que a mentalidade das pessoas tinha mudado, mas vejo que me enganei redondamente. A idéia continua sendo reprimir. E no que isso tudo vai dar? Simplesmente, minha filha vai perder todos os amigos, vai ter que reorganizar toda a sua vida, e todos vão continuar por aí, fumando, cheirando, sem que nada mude. O colégio teria de nos apoiar nesse momento. Não foi justo o que aconteceu.
X., mãe de aluna do Colégio Rio de Janeiro

Relembre outros casos

Em abril do ano passado, quatro alunos da 1 série do ensino médio da Escola Parque, na Gávea, foram expulsos depois de admitirem que fumaram maconha numa excursão do colégio a Ouro Preto (MG). O caso provocou polêmica mesmo fora da escola. No dia 27 do mesmo mês, cerca de cem estudantes usando camisetas com palavras de ordem protestaram contra a expulsão em frente ao colégio, na Rua Marquês de São Vicente. Entre os manifestantes estavam as netas adolescentes e gêmeas do presidente Fernando Henrique Cardoso, Helena e Joana, então com 15 anos.

Por ter se recusado a fornecer os nomes dos jovens expulsos à Promotoria da Infância e Juventude, a diretora-geral da escola, Mary Soares, foi denunciada pelo crime de embaraçar a atividade dos promotores, previsto no artigo 236 da lei 8.069/90, cuja pena é de seis meses a dois anos de detenção. A denúncia contra Mary Soares foi oferecida pelas promotoras Ana Lúcia Melo, Lilian Moreira Pinho e Mônica Di Piero, da 1 Central de Inquéritos do Ministério Público, à 32 Vara Criminal. O juiz Roberto Guimarães rejeitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público. Os promotores recorreram da decisão. Em segunda instância, o recurso foi negado em 16 de outubro do ano passado, por unanimidade, pelos três desembargadores da 5 Câmara Criminal,

Em 1992, também em abril, um estudante de 17 anos foi expulso do Liceu Franco-Brasileiro, em Laranjeiras, mas por outro motivo: ele se recusou a cortar o cabelo comprido. Inconformados, cerca de 300 alunos fizeram um protesto na frente do colégio. Uma comissão foi recebida pela direção que, no entanto, não aceitou discutir alterações no regulamento interno. De acordo com as normas, os alunos não só não podiam ter cabelo comprido, como estavam proibidos de usar bermuda e de fumar.
Psiquiatra diz que procura pela droga vem crescendo

Mais popular nas décadas de 70 e de 80, o cheirinho-da-loló — mistura de duas substâncias químicas — pode estar voltando à moda entre os jovens do Rio. Segundo a psiquiatra Maria Thereza de Aquino, diretora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em estudos recentes feitos na região de Angra dos Reis, ela já pôde verificar que a droga voltou a atrair a atenção de muitos adolescentes:

— A partir do momento em que uma droga é criada, ela está sempre presente, ainda que de maneira mais discreta, principalmente entre os jovens. Mas já podemos verificar que o loló está voltando a ser bastante procurado.

Maria Thereza conta que a droga tem um efeito próximo ao do álcool, com alteração de consciência mais imediata. Depois de consumido, o cheirinho-da-loló pode causar ainda fortes dores de cabeça.

— É algo semelhante a um porre de uísque. Nos rapazes, a droga pode causar agressividade, o que não costuma acontecer entre as meninas. A confecção da droga é fácil e ela pode ser preparada em casa. Não é necessariamente comprada em alguma favela — afirma a psiquiatra.



Uma pesquisa divulgada em maio deste ano pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) constatou que as drogas são consumidas em 32,1% das escolas brasileiras e que em 21,7% há tráfico. O levantamento mostrou ainda que 34,1% dos estudantes, professores e funcionários de colégios estaduais já presenciaram o uso de drogas no interior das escolas. Dos entrevistados, 35,2% disseram ter presenciado consumo ocasional nas imediações de escolas estaduais, 33,7% perto dos colégios municipais e 16% nas proximidades de escolas particulares.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Rubem Berta

Fonte:O Globo