Rio de Janeiro, 29 de Março de 2024

Quando três é demais

Com o enxoval e o quarto prontos para receber o bebê, o tão sonhado pós-parto se transforma no momento mais importante da vida de alguns casais. Para outros, porém, a história não é bem essa. O choro noturno de Melissa, de 1 ano e 3 meses, por exemplo, só cessa quando a mãe, a vendedora Cristina Pinto, de 1,50m e 47 quilos, se transfere para o berço da menina ou a instala na cama do casal, de preferência entre Cristina e o marido. E Marta e César Gomes nunca mais desfrutaram nem 15 minutos a sós, depois do nascimento das filhas Eva e Cristina. Estes e outros episódios, mais comuns do que se imagina, são encarados com bom humor por casais que tiram de letra a mudança de rotina depois dos filhos. Mas há quem não saiba impor limites à garotada, não resista às mudanças repentinas no corpo ou reaja mal a um estilo de vida familiar, que começa pela renúncia a programas românticos a dois.

Terapeuta familiar e autor do livro “Take back your marriage: sticking together in a world that pulls us apart”, William Doherty diz que 70% dos casais americanos ficam insatisfeitos com a vida sexual no casamento depois que se tornam pais. Para o autor, gestos simples como a troca de beijos são deixados de lado.

Especialistas brasileiros em terapia de casais como a psicóloga Hélia Gouvêa dizem que o casal enfrenta problemas com a chegada do filho, principalmente no pós-parto.

— É muito comum os maridos se sentirem excluídos. De repente, eles têm que assumir o papel de coadjuvantes, num momento em que a mulher concentra a libido na maternidade. Eles têm que ter inteligência emocional: o homem precisa enxergar a complexidade hormonal da parceira nesta hora e a mulher deve se lembrar que o marido existe.

A intolerância masculina à perda da libido feminina também é comum nos primeiros meses de vida do bebê. Segundo a psicóloga Marcia Ganime, da Sociedade Brasileira de Psicanálise, os homens não estão livres da síndrome.

— Às vezes, o homem passa a enxergar a mulher como a mãe, o ser sagrado, ao vê-la amamentando o bebê, e deixa de ter desejo sexual por considerar o ato profano. É preciso que o casal invista no entrosamento neste período e no tempo para ficar junto. A sintonia vai ajudá-los a exercer a maternidade e a paternidade de forma mais saudável.

A professora Solange Veiga conta que o marido se decepcionou com o excesso de atenção reservado ao primeiro filho, Joaquim, e o drama quase termina em separação.

— Éramos jovens e eu joguei o meu marido para escanteio. Ele reclamava demais.

Pai de Thales, de 9 anos, e de Erick, de 5, Marco Antônio Cunha acredita que a maturidade evita problemas.

— Namoramos por nove anos e só tivemos o bebê quatro anos depois do casamento. Todos os dois foram muito desejados. Nunca deixamos de dar atenção um ao outro.

Mãe de João Vítor, de 2 anos, Luciana Ventorim também acredita na importância do entrosamento.

— A chegada do filho sempre abala as estruturas. Antes caminhávamos na Lagoa, jantávamos fora e viajávamos para a Europa. Hoje é diferente, mas não há sensação que substitua o prazer de estar com João Vítor.

A advogada Andréa Tupinambá diz que os pais devem saber impor limites.

— O nascimento de Guilherme compensou tudo, das noites mal-dormidas à renúncia a viagens. Desde que eu voltei ao trabalho, ele faz chantagens. Ainda fica pendurado no meu cabelo e chora, mas aprendi a dizer não e levar com naturalidade.
Imaturidade ajuda a agravar a crise conjugal

Segundo especialistas, o início da vida da criança é a fase mais crítica para seus pais em função da adaptação do casal à nova rotina e ao tempo que o bebê exige.

— O nascimento do bebê provoca uma revolução na vida dos pais. É importante que a mulher não exclua o marido de sua maternidade, fazendo com que ele a ajude a ser mãe. Quando o casal sobrevive a esta fase, as chances de dar certo são enormes — diz a psicóloga Marcia Ganime.

Para a ginecologista Adriane Matta, os homens devem se preparar para a sensibilidade da mulher no pós-parto.

— Tive várias pacientes que se divorciaram nesta fase. A prolactina, hormônio da amamentação, inibe a produção de estrogênio e de progesterona, causando secura vaginal e diminuição da libido. Nem todo marido entende.

Para a pediatra Regina Cardoso, o mais importante é a mulher tentar manter o equilíbrio entre os seus papéis e não perder a vaidade.

— Muitas mulheres esquecem que têm maridos. O ideal, nestes casos, é delegar tarefas, incentivar a participação deles na maternidade, para que eles não se sintam mais excluídos do que já são.

O bebê que não foi desejado ou que não corresponde àquilo que foi idealizado pelos pais podem representar futuros problemas para o casal.

— Ninguém se separa por causa da criança, mas por problemas anteriores à sua chegada. O que se vê com freqüência são casais que usam seus filhos como bodes expiatórios para suas crises e o bebê ocupa o espaço numa relação que vai de mal a pior. Temos de tudo: maridos que se sentem traídos porque as mulheres resolveram ter filhos sem que eles quisessem, casais distantes que investem em bebês para se aproximar, casais que culpam os filhos pela falta de tempo para o sexo, e por aí vai — afirma Hélia Gouvêa.

O maior incômodo para Carla Langel começou na gestação. Ela engordou 30 quilos na gravidez da primeira filha, Valentina, hoje com 6 anos.

— Eu me sentia deformada e obviamente isso refletia na relação. A vaidade não nos deixa perceber que talvez isso tenha mais relevância para nós mesmas e não para os maridos.

Apesar de só ter engordado oito quilos, a administradora Maria Cristina Verwey também se queixa das mudanças.

— Não acho bonita aquela barriga toda, apesar de eu amar meus filhos. Mas realmente a mudança não interfere tanto na sexualidade.

Grávida do segundo filho, a empresária Sabrina Weisz também acha que os dilemas começam na gravidez.

— As relações diminuem nesta fase e não é qualquer marido que entende isso.

A dentista Marcia, de 27 anos, não conseguiu evitar que o pior acontecesse.

— Talvez meu casamento não fosse adiante de qualquer forma, mas o fato é que meu marido perdeu o interesse sexual depois do nascimento do bebê. Eu mesma o evitava também e nós nos separamos.

Como evitar as armadilhas infantis

FIRMEZA: Muitos filhos apelam para as chantagens emocionais, envolvendo doenças e pequenos dramas, para conseguir que os pais façam suas vontades. Isto é perigoso porque as crianças podem adotar a prática de obter o que desejam coagindo seus pais ou chantageando-os por toda a sua vida. Para evitar este comportamento, é preciso mostrar com carinho e com firmeza: a casa deve seguir uma disciplina, que é dada pelos pais.

DIZER NÃO: Especialistas dizem que os pais devem aprender a detectar se há motivo para chorar ou se o choro é um mero artifício do qual a criança abre mão para conseguir o que deseja.

ADAPTAÇÃO: Para a pediatra Regina Cardoso, é preciso adaptar a criança à rotina do casal e não o contrário. O espaço da criança e o do casal, por exemplo, devem ser estabelecidos desde o início, logo após o término do pós-parto. Caso os pais cedam, fica difícil dar limites depois. A invasão da criança trará problemas para os pais.

ATENÇÃO: Psicólogos dizem que, a partir de 1 ano, é preciso prestar atenção no comportamento da criança em relação ao alimento. Caso ela se alimente bem na ausência da mãe e só se recuse a aceitar a comida (que não seja o leite materno) na sua presença é um sinal de que o alimento está sendo usado para chamar atenção. Caso a criança se recuse a aceitar a comida é porque está sem apetite e é recomendável não substituí-la por doces.

CONVERSA: Especialistas dizem que os pais acostumem as crianças a se acalmarem com o tom da voz.

PARTICIPAÇÃO: É fundamental que a mãe divida com o pai as tarefas de cuidar dos filhos, sobretudo nos período pós-parto.



Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Elisa Torres

Fonte:O Globo