Rio de Janeiro, 26 de Abril de 2024

Só mulheres casadas são feministas

Só mulheres casadas são feministas
O título desta reportagem é bem mais do que uma provocação. É o resultado de uma pesquisa feita nos Estados Unidos por Barbara Dafoe Whitehead, Ph.D. em história social americana.
 
Barbara quis saber por que tantas mulheres solteiras de 30 anos não acham seu par ideal.
 
A resposta?
 
Elas não têm tempo livre em meio a trabalho nem sabem onde achar homens (blargh!) “sérios”.
 
A idéia de investigar a vida amorosa desta geração surgiu quando Barbara percebeu que os manuais de auto-ajuda sobre relacionamentos vendiam como pão quente e a cada dia apareciam novos programas de TV e colunistas dando palpite sobre como seduzir.
 
Acabou escrevendo o livro “Por que não restam bons homens: o compromisso romântico da nova mulher solteira”. Solteira esta que corre para comprar “Stop Getting Dumped” (“Pare de ser descartada”), de Lisa Daily, um manual para mulheres tipo “Sex and the city” conseguirem o homem dos seus sonhos, best-seller nos EUA e na Europa.
 
As regras são as mais machistas: nunca retorne ligação dele, não pague a conta, não tome iniciativa e, plim!, mágica feita: em um ano, ele estará a seus pés e em três vocês se casarão. Mas será isso que as brasileiras querem de um homem? As solteiras dizem que sim
 
As regras do manual
 
NUNCA LIGUE PARA UM HOMEM: Para a estudante Patrícia Souza, nunca ligar é uma boa maneira de aferir o interesse do homem. Para Rose Marie Muraro, regras como essa não servem para nada.
 
ELE SEMPRE DEVE BUSCÁ-LA EM CASA: A advogada Sílvia Gonsalez não dispensa este quesito: “Moro em Niterói e meu noivo na Barra e ele sempre passa para me pegar em casa”.
 
EVITE ASSUNTOS QUE GEREM POLÊMICA: O advogado Paulo Matos, de 30 anos, solteiro, homem, com pretensões matrimoniais, acha esta dica de Lisa Daily a maior tolice: “O homem fica falando e a mulher concorda com tudo? Não tem nada a ver, é positivo o confronto de opiniões diferentes”.
 
NUNCA TRANSE NA PRIMEIRA VEZ: Nada mais machista do que esta dica de Lisa. Para Rose Marie Muraro, só um tolo a seguiria: “Fuja deste tipo de homem!”
 
 
"Mulher não está apta para escolher marido"
Toni Marques
NOVA YORK

 
Barbara Dafoe Whitehead, professora da Universidade Rutgers, do estado de Nova Jersey, passou três anos entrevistando mulheres jovens. Concluiu que elas sabem bastante a respeito da realidade de altos processos de seleção — como escolher uma universidade ou um caminho profissional, por exemplo — mas não são tão bem versadas em como encontrar a pessoa com quem vão passar suas vidas.
 
Seu livro foi saudado pela grande imprensa conservadora (“The Wall Street Journal”) e atacado pela liberal (“The New York Times”).
 
O primeiro concorda que existe um preço alto a ser pago pela emancipação feminina. O segundo afirma que ela não explica sua tese.
 
As credenciais de Barbara podem ser auto-explanatórias, porém. Na Universidade Rutgers, ela integra uma organização de pesquisa e estudos chamada O Projeto Nacional de Casamento, que se propõe a “fortalecer a instituição do casamento”, instituição que está se desmilingüindo, “com conseqüências devastadoras para as crianças”. Ela também trabalha para o governo do estado de Massachusetts, na Comissão sobre Paternidade Responsável e Apoio à Família, e é parte da Força-Tarefa de Religião e Valores Públicos da Campanha Nacional para Prevenção da Gravidez Adolescente.
 
Mas seu livro é ideologicamente neutro. Como Barbara disse em entrevista ao GLOBO, por telefone, de sua casa no estado de Massachusetts, ela não advoga uma volta aos tempos pré-feminismo.
 
O que procura é entender o porquê da dificuldade que as americanas estão tendo na escolha de potenciais maridos, num fenômeno que, segundo ela, é semelhante ao que acontece na Europa Ocidental.
 
— Sou mãe de duas filhas, que estão na faixa dos 30 anos e são solteiras. Percebi uma grande diferença geracional neste fato. Fiz universidade e me casei dois ou três anos depois de formada. Tive filhos depois dos 35 anos. Minhas filhas e muitas outras mulheres da geração delas permanecem muito mais tempo solteiras, adiando o casamento, chegando a ter filhos aos 40 anos. Há uma grande diferença de gerações de mulheres que fizeram universidade — disse ela, explicando o início de seu interesse pelo tema. — Fiquei também fascinada com essa explosão de interesse em encontros e relacionamentos. Sempre tivemos pessoas na mídia que comentavam relacionamentos, mas não havia precedente, em termos de ficção popular na TV, de encontros marcados pela internet, especialistas profissionais.
 
Há uma mudança no ar e Barbara quis entender quais as conseqüências para a mulher educada que busca uma carreira:
 
— Este é um ambiente muito difícil para as mulheres. Elas sofrem uma fadiga de relacionamento. São rejeitadas, ficam desapontadas e desencorajadas nas oportunidades de encontrar um companheiro, um marido. Começam a procurar um marido muito mais tarde, e se quiserem ter filho o relógio biológico é um fator extra de pressão. A sociedade não dá muito apoio ao desejo de encontrar um parceiro, como um dia deu. Isto acontece porque a sociedade está mais interessada em ajudar a mulher a se realizar nos objetivos de educação e de carreira. É um projeto do tipo “faça você mesma”, elas estão sozinhas. De quando em quando ouço queixas. Elas reclamam porque acham que estão fazendo algo errado. Mas o que entendo é que há essa mudança na maré social. Há uma transformação no sistema de acasalamento.
 
Segundo a autora, que faz questão de afirmar ser favorável à ambição profissional feminina, a substituição do espaço comunitário de socialização pelo anonimato das grandes cidades é um elemento complicador na busca da alma gêmea.
 
— Apóio o desejo e a ambição das mulheres quanto a oportunidades na educação e na vida profissional. Mas uma das conseqüências dessas mudanças na vida das mulheres é um novo arranjo no modo como elas encontravam um parceiro romântico. As mulheres que entrevistei esperavam ter um trabalho sério e uma vida romântica compensadora. O que temos de fazer é ajustar o sistema de acasalamento, de modo a conformá-lo à nova vida profissional feminina.
 
Para ela, a comunicação entre homem e mulher deve ser mais objetiva:
 
— É importante que mulheres que estejam buscando um casamento sejam claras quanto a isso. O mesmo vale para quem quer sexo casual.
 
 
Nas entrevistas que conduziu nacionalmente, a autora detectou uma mudança que, se é positiva em termos de valores, é também frustrante: a figura do provedor perdeu a importância. O que as mulheres querem é um companheiro capaz de expressar seus sentimentos.
 
 Fizemos uma pesquisa nacional, com homens e mulheres de vinte e poucos anos, e o resultado é que eles disseram estar em busca de uma alma gêmea: alguém emocionalmente compatível, capaz de expressar seus sentimentos e que tenha bom caráter. Homens capazes de articular seu sentimentos é algo que a sociedade, historicamente, não espera. Oitenta por cento das mulheres disseram que preferem se casar com um homem que fale sobre seus sentimentos que com um bom provedor — diz.
 
Os homens ainda não estão dispostos a falar sobre o coração e, por isto, não há bons homens disponíveis. Portanto, conclui a autora, a taxa de insatisfação tende a crescer.

 
Romantismo não resiste à rotina do casal
 
Uma das hipóteses para existir essa enoooorme diferença entre o que pensam as casadas e as solteiras é... já ter conseguido amarrar um homem. Aliança no dedo, compromisso selado, as coisas ficam bem mais favoráveis, concorda? Mas feministas que são, as casadas garantem que não têm como único objetivo na vida casar e apresentam outra suposição bem mais imparcial para não serem rotuladas de machistas: no dia-a-dia moderno não há como fugir à divisão de tarefas.
 
— Tenho uma vida superagitada, trabalho de 12 a 13 horas por dia. Quando chego à noite, nem penso em cozinha. Aí entra a ajuda do marido, que já me espera com o jantar pronto. Ele gosta de fazer comida e eu não. Não sei o que seria de mim sem essa ajuda dele — diz Ana Maria Chaves, de 42 anos, gerente de oficina de uma concessionária Volkswagen, mostrando que também é para “frentex” na profissão, ao assumir uma função mais masculina.
 
A rotina agitada não é exclusividade das casadas. Solteiras também revezam-se entre trabalho, estudo, lazer. E para a pesquisadora Barbara, quanto mais elas se realizam profissionalmente, mais distante fica a felicidade conjugal, simplesmente porque, num ambiente de alta competitividade emocional, o tempo se torna um inimigo de quem não consegue conciliar estudos, carreira e amor. Uma grande dificuldade para achar seu macho.
 
— É mais difícil encontrar o futuro marido em escritórios e bares. Assim, o fenômeno da co-habitação — morar junto — se torna uma experiência cíclica freqüentemente frustrante — diz Barbara.
 
Para Barbara, suas entrevistadas nestes três anos de pesquisa estão pouco cientes “das realidades sociais que influenciam o tempo e a escolha de um parceiro conjugal”.
 
— Algumas têm a expectativa de que vão encontrar sua alma gêmea por acaso, do jeito que as pessoas fazem nos filmes — explica.
 
Sonho ou não, tem gente que vive mesmo uma love story à moda antiga. É o caso da advogada Sílvia Bueno Gonsalez, de 27 anos. Ela e seu noivo prezam o romantismo acima de tudo: ele manda flores todos os meses nos aniversários de namoro, abre a porta do carro para ela sair, sempre paga a conta das saídas e não a deixa sair sozinha para boate.
 
— Ele acha que os homens vão me atacar se eu for à boate com as minhas amigas. Mas ele sai sozinho e eu também acho que hoje as mulheres atacam. Confio nele, mas acho que os direitos deveriam ser iguais — conta Sílvia.
As sugestões do manual de Lisa Daily para conseguir um homem, por mais machistas que sejam, são mesmo seguidas por muitas mulheres. A estudante Patrícia Souza, de 21 anos, por exemplo, nunca liga para o pretendente:
 
— Nunca sabemos quando um homem está verdadeiramente interessado. Se ele ligar, isso pode ser um bom sinal.
 
Já a consultora de marketing e estilo Luiza Bomeny, de 29 anos, acha que um homem interessante tem seu lado romântico bem ativo:
 
— Gosto de quem seduz, manda flores, liga no dia seguinte, paga um belo jantar. Qualquer mulher gosta de ser seduzida.
 
De maneira bem diferente pensa a guia de ecoturismo Geiza Ribeiro Monteiro, de 29 anos, que está abrindo sua empresa Itaporã Ecoturismo para guiar estrangeiros no Rio. Ela acha que ninguém conduz ninguém, o que há é uma troca. Casada com Paulo Kastrup, ela conta que o papo foi fundamental para não se sentir uma empregada do marido:
 
— A casa é um prazer dos dois. Quando eu estava trabalhando e estudando à noite, ele me pegava na faculdade e já deixava o jantar pronto. Hoje, quem come, lava na hora sua louça. Paulinho molha também as plantas, põe a roupa para lavar e secar. Mas agora, como ele está trabalhando mais, eu estou assumindo mais a casa. É legal ver como está o momento de cada um e encontrar equilíbrio nisso.
 
Um dos problemas indicados pelas casadas na hora de vencer o machismo é a educação dada pelas mães dos maridos. As mulheres acham que a mãe cria o filho para ela e não para outra mulher e não o incentiva na divisão de tarefas. Geiza pretende mudar as coisas desde cedo:
 
— Se eu tiver uma filha, não vou querer ninguém dando presentes de dona de casa para ela. Nada de panelinha e vassourinha. Filha minha vai subir em árvores, correr, jogar bola.
 
Para a feminista Rose Marie Muraro, as regras de manuais para conquistar homens são pura tolice. Ela diz que é preferível assustar logo o macho a ficar com um homem cheio de convenções na cabeça.
 
— Nunca segui regras, sempre assustei, e nunca me faltaram homens na vida. Eu ainda levava uma tesoura no bolso e ameaçava cortar o pênis. É ridícula essa moral machista de Bridget Jones. Quem quer viver uma relação profunda precisa sair dos padrões.
 
 

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Simone Intrator e Toni Marques

Fonte:O Globo