Pobreza, miséria, exclusão econômica. Desemprego, analfabetismo funcional, exclusão social. Violência.
Somos especialistas em diagnóstico. Temos a capacidade singular de identificar os males que afligem este país. Mapeá-los. Catalogá-los. Fazer estatísticas e promover palestras, seminários, simpósios, dissertações, teses e livros.
Após mais de duas décadas de abertura política continuamos reféns do Estado. Depositamos no Governo todas as esperanças de uma nação mais justa e equilibrada. O Estado assume este papel etéreo de grande juiz e regulador responsável pela busca do equilíbrio.
E então passamos a viver uma dicotomia. Ora assumimos que o Estado quebrou, mesmo batendo recordes de arrecadação, ainda assim insuficientes para equilibrar as contas públicas. Enquanto o déficit de transações correntes não for equacionado, enquanto não reduzirmos nossa dependência do capital estrangeiro, enquanto a inflação não estiver sob controle, não poderemos implementar políticas públicas de âmbito social para reduzir as disparidades, as desigualdades, a distribuição de renda.
E então passamos a assumir uma nova retórica: a do Terceiro Setor. Tornamo-nos todos assistencialistas. Do sofá de nossa casa assistimos na TV de 29 polegadas à grande festa dos artistas em favor do Teleton, do Criança Esperança. Pegamos o telefone, discamos alguns números, fazemos uma doação pecuniária que será debitada oportunamente de nossa conta telefônica e, com isso, amainamos nosso sentimento de culpa. Praticamos esta catarse e voltamos ao nosso copo de whisky. Sentimo-nos cidadãos no exercício da cidadania. Praticamos nossa indulgência moral.
Outros acastelam-se em escritórios. Reúnem-se em grupos e resolvem constituir uma entidade sem fins lucrativos que há uma década batizaram de ONG – Organização Não-Governamental. A reboque da inspiração romântica de um Greenpeace, fundam estas entidades e começam numa busca caça-níqueis incessante em defesa de um grupo ou um interesse específico.
Muitas têm caráter relevante. Outras simplesmente não têm caráter. Algumas têm estatuto, princípios, objetivos e metas. Outras se denigrem ao término da primeira ação porque aquela coleta de algumas centenas de quilos de alimentos não perecíveis será suficiente para justificar o mea culpa por longos e longos meses.
Vários entusiastas assumem papéis típicos dos grandes mártires. São gênios e utópicos e acreditam-se capazes de mobilizar e mudar o mundo. Bradam contra a globalização, contra o imperialismo norte-americano, contra o capital especulativo internacional, como se fosse possível ignorar tais fatos, negá-los.
E brigam entre si, numa autofagia presunçosa, como se faltassem miseráveis para serem assistidos. Acham absurdo o Reino Unido apoiar os americanos em seu ataque ao Iraque mas não conseguem convergir seus interesses tão comuns porque estão muito preocupados em saber quem será homenageado na entrega do “Prêmio Blá-Blá-Blá”.
Enquanto isso há os que executam uma revolução silenciosa. Aqueles com a nobreza de visão de enxergar em escala reduzida. Pessoas que antes de reclamarem da sujeira exposta nas ruas resolvem varrer calçada e meio-fio em frente à própria residência. Pais que orientam os filhos sobre o perigo e a insanidade das drogas antes de clamarem por ações incisivas por parte da segurança pública. Profissionais que doam uma hora semanal de suas vidas para colocar um nariz de palhaço e fazer uma criança com leucemia sorrir, que palestram para jovens numa escola pública para levar-lhes a esperança. Empreendedores que capacitam seus próprios empregados, que visitam suas residências e avaliam as condições em que moram.
É claro que estamos diante de uma situação que margeia o risco de rompimento do tecido social. É claro que esperamos do gestor público maior eficiência e transparência na aplicação de nossos recursos. É claro que continuamos a olhar para os dois lados da rua para atravessá-la, e para a frente e atrás para avaliar quem de nós se aproxima.
Mas podemos – e devemos – de posse de nosso patrimônio não material, mas cultural, semear a prática da solidariedade, como uma atividade de nosso cotidiano, inserida em nossas agendas, como conteúdo programático. Não necessitamos esperar a chegada do próximo Natal para nos preocuparmos com a questão da fome. Não precisamos aguardar o advento do inverno para nos sensibilizarmos com o problema do frio. Atitudes admiráveis, honrosas, estão ao nosso alcance agora. Basta cultivarmos e disseminarmos certos comportamentos como profissão de fé.
Ao contrário do que se apregoa, não vivemos num mundo de escassez, mas de abundância. O que existe é suficiente para todos nós e o ganho de uma pessoa não precisa ser a perda de outra. Por isso, livre-se dos excessos. Doe o que não lhe apresenta mais utilidade – roupas, calçados, livros, brinquedos. E doe seu tempo, apenas uma fração dele, em favor de sua comunidade, no uso de seus melhores atributos, de seu ofício. Leia para um idoso, brinque com uma criança, converse com um enfermo. Pinte uma parede de escola, conserte um portão de um posto de saúde. E acima de tudo, compartilhe seu conhecimento.
E não precisa ir longe. Comece pelo seu bairro, pela sua rua, pelo seu condomínio. Ou mesmo pelo seu quintal. Começar já é metade de toda a ação. Difundir a prática, poderá ser a outra metade.
Tom Coelho
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite www.tomcoelho.com.br.
Crédito:Tom Coelho
Autor:Tom Coelho
Fonte:Universo da Mulher