Rio de Janeiro, 26 de Dezembro de 2024

Bush morre na praia de Ipanema

Bush morre na praia de Ipanema

Pesquisas recentes indicam que até 96% dos 180 milhões de brasileiros não gostam de George W. Bush. Isso é intrigante, dadas as similaridades entre os estados sulistas americanos, loucos por Bush, e os estados do Brasil, que acham que Bush é um louco.
 
Ambas as regiões têm uma tradião de escravidão, tensão racial contínua, grandes latifundiários, estratificação social e de classes, debates sobre cotas raciais, escolas públicas de baixa qualidade, um fervor religioso cristão e sotaques difíceis. Mesmo que sua vitória na Carolina do Sul esteja assegurada, pesquisas indicam que Bush não ganharia uma eleião no Brasil nem mesmo contra Charles Manson.
 
Eu me perguntava se as pesquisas brasileiras não estariam erradas, se não teriam ignorado um reservatório de apoio a Bush. Então, decidi viajar ao Rio de Janeiro e investigar o assunto.
 

Ipanema
No melhor lugar para conduzir uma pesquisa com brasileiros, usei critérios científicos. 
 
 
Não existe lugar melhor para conduzir uma pesquisa com brasileiros do que a praia de Ipanema, no Rio, onde as elites educadas do País ficam ao sol, vestidas em trajes sumaríssimos. Tentei fazer com que a pesquisa fosse a mais científica possível e usei um gerador randômico de números - cortei um guardanapo em nove pedaços e escrevi os números de 1 a 9 neles. E tirei o número 7. Assim eu parava o sétimo brasileiro que passava por mim até que tivesse entrevistado 50 homens e 50 mulheres.
 
Para evitar opiniões preconceituosas, pulei pessoas que usassem camisetas de Bush com um bigodinho à Adolf Hitler ou outro sinal óbvio de desaprovação. Corretamente vestido com meu traje de banho e munido de um bloquinho e um lápis, comecei a fazer minha pesquisa, tentando encontrar pessoas que gostassem do presidente Bush e suas razões para isso.
 
Normalmente eu obtinha a resposta mesmo antes da verbal. Eu perguntava se gostavam de Bush e sua expressão facial seria a mesma se eu tivesse perguntado algo como: "Você coloca cocô de passarinho em seu cafezinho?" A resposta era sempre um enfático "NÃO", freqüentemente acompanhado de esclarecimentos adicionais não solicitadas.
 
Enquanto meu projeto de pesquisa original era o de encontrar pessoas que apoiassem Bush e construir um perfil dos fãs dele, eu estava aprendendo em primeira mão por que as pessoas detestam Bush (e detestar não é uma palavra forte para os sentimentos).
 
Brasileiros têm boa memória e ainda não perdoaram completamente os republicanos pela saudaão de Ronald Reagan "ao povo da Bolívia" durante uma visita oficial, em 1982, à capital brasileira, Brasília. Essa gafe pública do presidente Reagan foi depois ultrapassada por outra particular de George W. Bush com o então presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso em março de 2001.
 
Fernando Pedreira, jornalista brasileiro amigo de Cardoso, escreveu em sua coluna que Bush perguntou a FHC: "Vocês têm negros também?" Os brasileiros acham que Bush é ignorante quanto à sua compreensão da América Latina e do Brasil. Além disso, o vêem como fanfarrão, instável mentalmente, fixado com Cuba, arbitrário em políticas industriais como tarifas sobre o aço, protecionista da agricultura americana, imperialista, unilateral e inflexível com as atuais regras para vistos de turismo. Júnior, que trabalha na praia servindo caipirinhas e montando guarda-sóis, disse que Osama bin Laden ganharia de Bush numa eleião de popularidade. Aliás, uma escola particular de elite tentou adotar Osama como mascote do seu time de futebol.
 

Júnior, que trabalha em uma das barracas, diz que Osama bin Laden ganha de George W. Bush em popularidade 
 
 
Os brasileiros lembram de outros acontecimentos e os encaram como desrespeitosos. Ficaram justificadamente ultrajados quando, em outubro de 2002, dias antes da histórica eleião do presidente Lula da Silva (que - como me lembraram com freqência - obteve 3 milhões de votos a mais que George W. Bush), o influente deputado de Illinois e presidente do Comitê de Relaões Exteriores da Câmara, Henry Hide, escreveu uma carta ao presidente Bush chamando Lula de terrorista e anunciando "uma perspectiva real de que Castro, Chávez e Lula poderiam constituir um eixo do mal nas Américas, que poderia logo ter armas nucleares e mísseis balísticos".
 
Depois de assistir às pressões e ameaças americanas contra o "eixo do mal" original - Irã, Iraque e Coréia do Norte, como foram descritos pelo presidente Bush durante seu discurso sobre o Estado da União em 2002 -, não é surpresa que muitos brasileiros tenham visto sua inclusão no eixo do mal latino-americano com alguma trepidaão. E muitos na elite se lembram das declaraões sem substância do então secretário do Tesouro, Paul O"Neill, quando disse que encanadores americanos não queriam mandar dinheiro ao Brasil por medo de que caísse nas contas suças dos líderes corruptos.
 
 
                                          
Júnior, que trabalha em uma das barracas, diz que Osama bin Laden ganha de George W. Bush em popularidade
 
 
Depois de minhas 50 entrevistas iniciais, fiquei desanimado. Não tinha encontrado uma só pessoa que gostasse de Bush. Tinha medo de terminar minha pesquisa e não obter sequer um perfil de um brasileiro que apoiasse Bush. Então, acrescentei uma pergunta à pesquisa: "Você conhece pessoalmente algum outro brasileiro que goste do presidente Bush?" Depois de 49 entrevistas, não tinha conseguido ninguém; não tinha localizado qualquer pessoa na praia de Ipanema que gostasse de Bush ou conhecesse alguém que gostasse.
 
Finalmente, na minha centésima entrevista, falei com uma mulher do Estado do Espírito Santo. Ela não gostava de Bush porque, a seu ver, ele simplificava um mundo complexo. Mas encontrei alguém que atendia à segunda questão! Ela conhecia pessoalmente um grupo de pessoas que apoiavam Bush, em Vitória. Ela os encontrava todos os meses em um almoço. É um grupo que, como Bush, divide o mundo entre preto e branco, bons e maus, conosco ou contra nós: a Associaão de Empresários Cristãos, em que a fé evangélica e as conexões levariam a grandes fortunas pessoais. Perguntava-me se não teriam uma filial na Geórgia!
 
Nas praias do Brasil e ao redor da América Latina, as pessoas são facilmente conquistadas com um sorriso e um esforço em falar a língua local, ouvir a música do lugar, provar os pratos típicos e simpatizar com seus desafios. O governo Bush não só perdeu a batalha pela opinião pública em lugares complicados como a Jordânia e o Marrocos, mas falhou em países onde isso deveria ser simples, como o Brasil.
 
A boa notícia é que os nossos vizinhos e aliados naturais na América Latina podem facilmente esquecer e perdoar. Eles construiriam um futuro cooperativo com os Estados Unidos. A notícia ruim é que o governo Bush, simplesmente, se recusa a reconhecer que cometeu erros fundamentais nas relaões EUA-América Latina, ao continuar ignorando a região e seu povo.
 

* Kirk Bowman é professor de Assuntos Internacionais no Georgia Institute of Technology, Ph.D. em Ciência Política pela Universidade da Carolina do Norte e colaborador da revista eletrônica The Gadflyer (www.gadflyer.com)
 
 

Crédito:Kirk Bowman

Autor:Kirk Bowman

Fonte:Universo da Mulher