Conta a lenda, que havia em Creta um labirinto onde morava um Minotauro. O rei Minos, para vingar a morte de seu filho pelos atenienses, enviava a cada nove anos, sete rapazes e sete moças de Atenas para serem devorados pelo Minotauro, até que Teseu conseguiu matar esse monstro comedor de jovenzinhos e suas carnes tenras. Fico me perguntando se Teseu conseguiu mesmo realizar essa façanha com a ajuda do fio de Ariadne....
Às vezes penso que o Minotauro está mais vivo do que nunca!
Olho em volta e vejo jovens sendo consumidos pelo Minotauro do "Mercado" e do Sistema, que se alimentam de suas entranhas. Acho até que seria melhor se ele devorasse mesmo, de vez, ao invés de roubar devagarinho seus sonhos, suas esperanças e a espontaneidade de serem eles mesmos. Eles passam uma vida tentando desesperadamente ser normais e fazer parte de um sistema que apenas vai usá-los e cuspí-los mais tarde, numa versão sadomasoquista de dar inveja ao roteiro mais diabólico de um filme B. A mídia não comenta, em função de seu código de ética, o índice assustador de suicídio juvenil no mundo todo, inclusive aqui, mas comenta as estatísticas que mostram que a taxa maior de hominício é de jovens entre 15 e 25 anos. O que causa esses comportamentos destrutivos, é o que eu chamo de Minotauro.
Tenho muito contado com jovens, em função do meu trabalho de orientação de carreira, e o que mais constato, com tristeza no coração, é essa moçada linda e cheia de vida, querendo ser normal. É quase uma hipnose coletiva. É quase um filme do Zé do Caixão, aquele cineasta bizarro brasileiro : um monte de zumbis repetindo : "Normal. Normal. Eu quero ser normal, eu sou normal". Dói! Em nome dessa normalidade, eles se sujeitam até a fazer um curso que não gostam, mas como acreditam que todo normal tem diploma universitário, eles querem por que querem ter um diploma. Outros se sujeitam a ser estagiários em empresas que vão sugar seu sangue, sua alma e sua energia vital de canudinho e esfregar seu diploma na bancada do cafezinho, mas em troca, vão lhe oferece um salariozinho de m....., vale-refeição e um crachá!! Oh, glória! "Você já tem um crachá, nossa empresa tirou você das estatísticas e das filas dos pobres procuradores de vagas, você pode ostentar o nome da nossa empresa logo após o seu, como se fosse um sobrenome, que mais você quer? Dignidade?
Acorda,meu jovem! Hoje o Minotauro não come mais de uma vez, ele vai degustando, mastigando, ruminando, bem de-va-ga-ri-nho.
Afinal, o que é ser normal? Será que é ser assim?
Essa semana, tive que almoçar fora, coisa que eu detesto. Não acho que vale a pena trocar meu arroz integral com gersal por qualquer outra coisa. E olha que eu nem sou xiita, vou até à churrasco de vez em quando. Então, era hora do almoço e eu fui procurar nutrição, mas acabei tendo que entrar em um Shopping, argh... Esse, em especial, não tem exatamente uma "praça de alimentação" mas um "retângulo de alimentação". Ao entrar naquele salão e ver aquela imensa fila de mesas, colocadas juntas sem nenhum lugar vago, as pessoas muito ocupadas em comer; um barulho muito desagradável e aquela luz branca artificial, não sei porque, me veio imediatamente à mente a cena de um enorme galpão de frangos de granja comendo compulsivamente suas rações aos milhares. Um processo mecânico e tão.....tão.....como direi......tão normal. Todos vestindo seus uniformes ( terno e gravata / tailleur e meia de seda), tudo tão previsível e tão......normal. Sei que essa idéia pode chocar (ops, foi mal, mas eu não resisti ao trocadilho barato, foi mais forte que eu....), mas essa foi a imagem que me ocorreu.
Tem hora que minha percepção é meio crua e cínica, será que é por isso que eu gosto de Almodóvar ? Provavelmente esses que estavam almoçando aí, sejam os mesmos que o Minotauro está ruminando.
Perdi a fome.
Outra cena.
Costumo caminhar muito. São os meus momentos "Forest Gump". Andando é inevitável observar as pessoas, suas atitudes e comportamentos. Quando o corpo fala, pra que palavras? Tudo fica desnudado. Observo de um tudo, e vejo muitas pessoas de idade, velhos, que têm algo em comum entre si, todos, sem excessão procuraram ser normais a vida toda e fizeram de sua vida um monumento à normalidade! Hoje o passeio mais empolgante que eles fazem é ir buscar seus remédios na farmácia. Remédios que prometem ser o paliativo que vai amenizar a dor de toda uma vida de normalidade. Eles sabem que se tiverem sorte terão uma morte breve, caso contrário, irão para o inferno do sistema de saúde, que seja público ou dos planos privados, ambos são infernais.
Ouvi dizer que isso é uma doença, essa obsessiva compulsão por ser normal tem até um nome e um livro: "Normose - a patologia da normalidade". Conheço gente que começou a ler esse livro e foi pirando. Não deu conta de lidar com a vastidão da sua alma, de ficar cara a cara com o fato devastador de ser ele mesmo. Sem modelos, nem fórmulas. Apenas ele mesmo. Afinal, ser normal é não ser você mesmo, é se encaixar em algo devorante cujo preço é muito alto. Muito alto!
Tenho para mim, que essa jovem que jogou sua filha na lagoa da Pampulha, lá em Minas, é uma pessoa que está sendo devorada pelo Minotauro e a história dela, é em grande parte, a nossa história. Esse fato pode ser um alerta para todos nós. Mas infelizmente, mais uma vez, a sociedade vai preferir fechar os olhos, culpar a moça, jogá-la na cadeia e esquecê-la! É muito doloroso admitirmos que ela agiu traduzindo um sentimento que está no ar, que está presente em toda a sociedade. Estamos abandonando nossos jovens na boca do labirinto do Minotauro, para serem normotizados, devorados e depois descartados. Esse é o preço de quem abre mão do dever sagrado de ser ele mesmo.
Corta.
Maristela Moura é colunista da seção Iscas Competências do site www.lucianopires.com.br. Trabalha, atualmente, com orientação profissional, mapeando competências de jovens, adultos e equipes de empresas. É da área de humanas, educação e marketing.
Crédito:Fatima Nazareth
Autor:Maristela Moura
Fonte:www.lucianopires.com.br