Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

Surfe de biquini

Surfista não gosta muito de dividir ondas com ninguém. Nem mesmo se o alguém, no caso, é uma loura de 1m75, de 23 anos, como a bela Patrícia Sodré, campeã carioca de longboard. É como se dentro d"água nenhuma curva pudesse ser mais atraente que o tubo, e meninas, ali, não tinham muita vez.

- Sempre houve muito preconceito, mas nunca fomos tão bem tratadas como agora - diz Patrícia, uma ótima representante do esporte.

O agora dela significa o momento singular pelo qual está passando o surfe feminino no país. No Rio há pelo menos quatro boas escolinhas mantidas por alunas. Se dependesse dos homens, a maioria delas talvez não durasse até o fim do ano. Na próxima sexta-feira estréia o filme A onda dos sonhos, um enredo água com açúcar criado em cima da história de quatro amigas surfistas. O sonho de uma delas é ganhar o campeonato realizado em Pipeline, uma das praias mais perigosas do Havaí.

No mês passado, a Fluir, principal publicação nacional sobre o esporte, lançou a primeira revista voltada especialmente para o novo mercado. A Fluir Girls estreou com 60 páginas recheadas de anúncios e já garantiu periodicidade bimestral. A revista deveria ser publicada somente em março, mas quando funcionários da área comercial da editora começaram a vender o projeto, percebeu-se que havia algo de valioso nas mãos. Seu lançamento foi antecipado em três meses e em fevereiro já sai a segunda edição.

- A abordagem para as mulheres é um pouco diferente. Além de tratar dos principais campeonatos femininos e das grandes esportistas, fazemos sempre um editorial de moda de oito a dez páginas. Mulher é uma consumidora nata e não há como fechar os olhos para isso - diz Alex Guaraná, editor-chefe da Fluir.

Estima-se que nos EUA elas tenham uma participação de 30% no mercado de surfwear. As atletas já conseguem apoio de grandes empresas, como no caso de Patrícia Sodré, patrocinada pela Embeleze.

- A Billabong fatura anualmente US$ 120 milhões. Um terço disso vem da sua marca feminina. A Quicksilver criou a Roxy, só para as mulheres, outro fenômeno de vendas. Enquanto um homem fica seis meses com a mesma bermuda, as meninas trocam de mês em mês - diz Guaraná.

No que depender da disposição das cariocas, a onda feminina está garantida. Se há pouco mais de cinco anos era raro encontrar qualquer menina com prancha na água, atualmente a cena parece comum de Grumari ao Arpoador. Muitas aprenderam com professores, mas há gente como Nayla Ribeiro, de 20 anos, que preferiu se aventurar sozinha.

- Já tive um namorado surfista e era muito chato ir para a praia e ficar sem fazer nada, esperando ele voltar da água. Resolvi começar sozinha mesmo e, quando dá, caio três vezes por semana. Prefiro a Reserva, na Barra, que é mais vazia, e Tucuns, em Búzios - diz Nayla.

Em 1998, quando começou a dar aulas, Paulo Dolabella penou o ano inteiro ensinando para apenas três meninas. Por mais que se esforçasse em divulgar o trabalho, o número de praticantes ficou inalterado durante 12 meses. Mas de 2000 para cá sua escola virou uma febre entre as adolescentes cariocas. Atualmente são 50 alunas, que vão duas vezes por semana para Ipanema, em frente ao hotel Caesar Park, a fim de aprender os primeiros fundamentos.

- Oitenta e cinco por cento dos meus alunos são mulheres. E neste verão já houve um crescimento de 70% na procura. Nos anos 80 a mesma febre aconteceu com o bodyboard. Mas elas descobriram que o surfe não é tão perigoso assim e que, sabendo respeitar o mar, ele dá muito prazer - diz Dolabella, que divide com Dadá Figueiredo, um dos mais importantes nomes do esporte na década de 80, Rico de Souza e Kadinho as principais escolinhas de surfe da cidade.

A procura intensa pelo esporte levou Laila Werneck a criar em 2002 o Circuito Petrobras de Surfe feminino. Na primeira etapa, um recorde. Centro e trinta e cinco atletas se inscreveram na competição, número que aumentou para para 165 na terceira e última. O circuito foi dividido em quatro categorias: iniciante, longboard, open e profissional. A vencedora da profissional embolsava R$ 10 mil.

- Pensei nesse circuito porque estava revoltada com o fato de as mulheres ficarem sempre em segundo plano nas competições mundiais. Elas só iam para água na pior hora do dia, precisavam entrar em mares tão grandes quanto os homens, e nunca tinha vaga suficiente para todas competirem - lembra Laila.

Ela e Andréa Lopes, a primeira brasileira a vencer uma etapa do circuito mundial feminino, criaram uma clínica de surfe, que vai funcionar durante quatro dias, a partir da próxima quinta-feira. Voltada apenas para 30 praticantes, as meninas vão ter ônibus à disposição para sair em busca das melhores ondas, vão contar com acompanhamento de nutricionista e dermatologista, além de dicas de profissionais como a triatleta Fernanda Keller.

- O principal objetivo da clínica é despertar o prazer de surfar, além de aumentar o nível das atletas brasileiras. Quero passar um pouco da minha experiência - diz Andréa.

Para Ricardo Bocão, idealizador do Zona de Impacto, na Net, programa com duas horas dedicadas ao surfe, o esporte nunca viveu um momento tão bom no país.

- Recentemente o surfe feminino cresceu muito mais que o masculino e está vivendo seu boom. As escolinhas, a TV, os campeonatos cada vez mais organizados e os resultados como o de Jaqueline Silva, segunda do mundo ano passado, mostram que ele veio para ficar. Não é uma onda passageira - garante Bocão.

 

 

Paulo Dolabella e suas alunas

Há cinco anos, Paulo Dolabella tinha apenas três alunas. Atualmente são 50

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Luciano Ribeiro

Fonte:Domingo - Jornal do Brasil