Foi uma delícia ouvir de todos que ela era "a cara da titia Dé". As sensações de felicidade, de amor, de carinho e afeto foram tão grandes que me deu medo. Afinal, todo aquele sentimento era pela filha do meu irmão. Já pensou o que eu iria sentir se a filha fosse minha? Já é tão gostoso ouvir aquela voz tão doce dizendo: "Titia Dé! Imagine como deve ser ouvi-la chamar "Mamãe!"
Um ano depois de casada meu esposo começou a se empolgar e pediu para pararmos com os métodos contraceptivos: "Vamos fazer um primo para a Raquel." Fiquei tomada por uma ansiedade sem tamanho. Parei com o medicamento por algumas semanas, e começamos a planejar como seria o quarto, a alimentação e a educação da criança.
Temos um cachorro salsichinha, chamado Milú. Ele é tão esperto que é 'quase' gente. Mudamos de casa no mês de abril e o Milú danou a fazer xixi no botijão de gás. Meu esposo queria bater nele, dizendo que ele tinha que aprender. Eu não permitia, pois adianta corrigir um cachorro se não for imediatamente - assim como minha sobrinha. Na semana passada, meu esposo acordou de às 3 da madrugada com o barulho da 'torneira do Milú aberta', levantou num pulo, deu umas chineladas e mostrou o lugar certo de fazer xixi, como eu havia dito que tinha que ser. Faz uma semana que o Milú não faz suas necessidades dentro de casa e voltou a pedir para sair, como fazia antes.
E eu, eu fiquei pensando na delícia que seria educar uma criança de verdade e meus pensamentos se voltaram à minha mãe, e no quanto ela foi corajosa para amar. Ela casou cedo e teve seis filhos. Seis. Cuidou pessoalmente da nossa educação. Entre passar o dia fora e pagar uma creche ou babá para cuidar dos seis filhos, ela mesma se encarregou da tarefa, submetendo-se aos suprimentos básicos que meu pai podia prover, e aventurando-se em vendas a partir de casa para completar o orçamento. Cuidou com carinho da nossa alimentação - o mais natural possível, sem carne e sem açúcar ou refrigerantes. Fazia pão integral e leite de soja pra gente. Contava histórias todos os dias e comprava livros, cadernos e lápis-de-cor, para esquecermos a televisão. Deixava a gente brincar com lama e dizia que sabão foi feito para lavar a sujeira mesmo. Ela nos amou tanto que trabalhou duro para ajudar a pagar nossos estudos e apoiou cada uma das seis profissões que escolhemos, dizendo que é importante a gente trabalhar naquilo que gosta para fazer bem-feito e ser feliz.
Minhas primeiras entrevistas foram com ela, e o resultado das respostas que ela me dava foi a minha alfabetização aos 6 anos, em casa mesmo. Foi quando ela passou a me dar livros para responder o que não sabia. Ficou tão empolgada que e todos os filhos foram alfabetizados antes da escola. E foi assim que ela me ensinou a ser livre e independente. Essa foi a melhor lição que aprendi em toda a minha vida.
Quanto a mim, ainda não estou pronta para amar tanto alguém.
Voltei a me proteger para não engravidar e adiamos para daqui uns dois anos os planos de aumentar a família. Depois de uma longa conversa o maridão concordou e garantiu que vai se dedicar a preparar uma poupança especial para isso e juntos vamos estudar mais sobre educação de filhos. Quem sabe, daqui uns dois anos eu esteja pronta para me aprisionar ao amor mais profundo do mundo.
Crédito:Cris Padilha
Autor:Débora Carvalho
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