Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

A curta vida das boates cariocas


A noite de sábado já foi ‘A’ noite. O destino? Boate. Um espaço escuro, enfumaçado, sem lugar para conversa — mas tão disputado que, em alguns casos, era necessário ter uma carteirinha, espécie de passaporte para pertencer à elite que acontecia no Rio. Essa elite incluía locomotivas, divinas e panteras que freqüentavam templos glamourosos como Regine’s, Hippopotamus, Chez Castel ou People (Down, por favor). Era lá que as mulheres mais belas encontravam os filhos das melhores famílias. Os templos, evidentemente, mudaram.

Os tempos também. Ou melhor, o timing . As mais de duas décadas de agito do Hippo são coisa do passado: hoje, a boate carioca mais antiga é o Rock in Rio Café, aberto há cinco anos na Barra. Só para se ter uma idéia, de lá para cá já fecharam as portas Dado Bier, Café do Gol, Press, Bússola, Slavia, Maxim’s, B.A.S.E. e Sweet Home, entre outras menos votadas. Algumas mudaram de cara e de nome — a campeã é a Méli Mélo que, a partir dos anos 70, foi Papagaio,  Papagay, Trash e Resumo da Ópera. Agora, como tantas, vive seus últimos dias: vai fechar para ceder espaço à ampliação da academia de ginástica Estação do Corpo. Alguma coisa (não) acontece no coração da noite carioca.

— Está menos glamourosa, com certeza. Não existe mais o deslumbramento de décadas passadas. Já faz algum tempo que as pessoas estão retraídas — avalia Marcelo do Rio, dono do bar e boate Melt, no Leblon, e do restaurante Caroline Café, no Jardim Botânico.

Desiludidos, empresários da madrugada fecham casas

Marcelo não é o único empresário a sentir falta do glamour e das mesas com garrafas de champanhe e scotch. Ney Cavalcante, diretor da boate Ritmo, reinaugurada há dois anos e meio no Leblon (inicialmente, estabeleceu-se em São Conrado), vem lutando arduamente para manter a casa aberta. As propostas de construtoras interessadas no terreno da Rua Cupertino Durão, avaliado em R$ 5 milhões, acabam se tornando uma tentação quase irresistível.

— Não sabemos por quanto tempo vamos agüentar. Já tivemos de nos render ao público mais jovem, entre 18 e 23 anos. Chegamos a contratar promoters para divulgar as noites de sábado. Infelizmente, o bom da festa passou. Lembro com saudades de casas como o Hippo. E guardo até hoje minha carteirinha do Chez Castel, de número 10, emoldurada. A noite do Rio está falida — lamenta o empresário.

Rodolfo Medina, dono do Rock in Rio Café, não se queixa. A casa da Barra já recebeu 1,3 milhão de pessoas desde sua inauguração, em março de 1997. Trata-se, porém, de um caso à parte, já que a boate se apóia na poderosa marca Rock in Rio, sucesso desde a primeira edição do festival, em 1985. Medina, no entanto, concorda que a noite passa por uma fase complicada e lamenta o curto tempo de vida de alguns concorrentes. Para ele, manter uma programação variada e voltada para diferentes públicos é a saída:

— O importante é inovar. Criar eventos, bossas, coisas assim. Vamos ter uma noite circense, com garçons maquiados e cenários, para chamar a atenção do público.

Apesar do entusiasmo de Medina, nem sempre inovar é o que importa. O empresário Walter Guimarães, ex-W e ex-People, já apostou em festas temáticas e promoters . A boate acabou vendida em setembro de 2001, depois de transformada no atual Dabliü Bar. A descida ladeira abaixo passou por cenas de extrema violência (houve um tempo em que a W não saía das páginas policiais, sempre em função de brigas entre pitboys) e chegou a tal ponto que a casa deve virar um bingo.

— Promoters não aumentam o lucro. Em geral, convidam VIPs que não pagam um centavo e não fazem grande propaganda. Quem diz que ganha dinheiro na noite hoje está mentindo — desafia o empresário, que entrou neste mercado no longínquo ano de 1978, na Crocodilo’s de Ricardo Amaral, em Copacabana. — Só volto à noite para abrir um bar onde possa receber amigos e me divertir.

A receita de Walter — misturar amigos e diversão com trabalho — corresponde ao mapa do fracasso. Pelo menos na opinião de Ângelo Leuzzi, empresário responsável pelo sucesso de casas paulistanas como Rose Bom Bom, Columbia e B.A.S.E. , nos anos 80 e 90.

— O cara abre uma boate e acha que a vida vai ser mulheres, amigos e música. Se esquece de que é preciso trabalhar dia e noite para dar certo. A dedicação tem de ser enorme — diz Leuzzi, que faz questão de atuar como DJ em suas próprias boates.

Apesar do quadro sombrio no balneário, Leuzzi investiu cerca de R$ 1 milhão na futura boate Nova, em Ipanema, no lugar onde funcionou o Barão com a Joana nos anos 90. Depois de alguns problemas com a prefeitura, já resolvidos, a obra recomeça na semana que vem, depois de um ano e meio parada. A previsão é abrir em, no máximo, três meses:

— A noite do Rio tem potencial. O problema é ser mal trabalhada. As boates não têm cara, começam com um tipo de música e se rendem aos modismos. Não há lugar que agüente.

O engenheiro de produção Marcus Moraes não agüentou e vendeu há dois meses suas cotas da People Lounge, reinaugurada em outubro de 2001. O problema, para ele, são os próprios notívagos, que estariam bebendo e se drogando demais:

— No Natal, vi duas moças brigando. Foi deprimente. Também é preciso estar atento aos roubos. Tem desde o cliente que paga a cervejinha do garçom para receber mais uísque até os furtos internos. Acho que não há mais muita gente interessada em ficar trancada entre quatro paredes até as sete da manhã.

A polêmica continua.

Crédito:Anna Beth

Autor:Adriana Castelo Branco e Jefferson Lessa

Fonte:O Globo