Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

É um circo? Um parque de diversões?

Felizes na lama

CHARLIE BROWN JR.: o público enlameado cantou sílaba por sílaba dos sucessos
Bernardo Araujo

Não adianta: qualquer evento ligado à família Medina, para fazer sucesso, tem que ser realizado em um charco. Foi assim com o Coca-Cola Vibezone, que levou cerca de 25 mil pessoas (dez mil pagantes por dia) ao Clube da Aeronáutica, na Avenida das Américas, na Barra, nas noites de sexta e sábado. Motivados por shows do Charlie Brown Jr., O Rappa, Detonautas e outros, os moleques (a idade-alvo era entre 16 e 20, mas muita gente mais nova ainda compareceu) ignoraram a chuva, o difícil acesso (uma ruazinha de terra entre a avenida e o clube, que se estendia por cerca de um quilômetro) e se esbaldaram em atividades como a queda livre, a tirolesa (espécie de teleférico humano, em que a pessoa “voava”), o grafite e uma oficina de percussão com o AfroReggae.

— Fiquei um pouquinho insegura com a chuva, mas logo vi que todo mundo ia se divertir do mesmo jeito — dizia Roberta Medina, produtora do festival, feliz da vida na área VIP na madrugada de domingo.

De fato. No sábado, a área — que, segundo dizem, originalmente era um gramado — estava um lodaçal de fazer gosto, e, não fosse a temperatura (por volta dos 18 graus), o clima de Rock in Rio estaria perfeito, até porque as tendas eram incrivelmente parecidas com as da edição do festival de janeiro de 2001. Uma mini-Cidade do Rock, com pouco mais de dez mil pessoas em vez de cem ou 200 mil. Assim, o público podia circular — eventualmente patinando na lama, que ninguém é de ferro — à vontade entre o Beijódromo (tenda recheada de sofás onde a garotada namorava, num clima de disputa quem-beijar-mais-gente-ganha), os computadores com jogos de última geração, as lanchonetes, as medusas (máquinas com longos tubos que davam refrigerante de graça em minúsculos copinhos, distribuídos lá mesmo), as oficinas e outros.
A maior fila era a da queda livre, singelo brinquedo de parque de diversões em que o freguês, pendurado a um gancho, é solto a 30 metros de altura no espaço, sobre uma rede de proteção.

-— Ficamos três horas esperando, mas valeu a pena — exultava Kristini Louna, de 19 anos, trêmula, com a amiga Débora Aguiar, de 18, ambas moradoras de Vila Isabel.

—- Tive muito medo, por um instante pensei que estava cometendo suicídio, mas foi muito maneiro — resumiu Débora.

Douglas Alves, de 21 anos, teve um probleminha: o técnico André esqueceu-se de desengatá-lo de um dos ganchos. Ao soltar o rapaz, ele continuou pendurado. André tentou puxá-lo de volta mas acabou tendo que baixar o guindaste para recuperá-lo. O povo da fila, crente que ele tinha amarelado, o brindou com um corinho nada lisonjeiro.

—- Imagina se a minha mãe está ouvindo o rádio agora — dizia ele, bem-humorado. — Deixa pra lá, é o preço da fama.

Quando finalmente caiu, ele já se dizia pronto para enfrentar a fila, a falha e até o corinho de novo.

— A sensação é demais!

Apesar de clima de violência da cidade, a maioria dos meninos e meninas estava desacompanhada. Eram raros os pais acompanhando seus pimpolhos, como fez o ator Marcos Frota com a filha Tainã, de 13 anos.

— Trouxemos cinco de Maricá, dois filhos, de 13 e 15 anos, e três amigos -– dizia o músico Daniel Prado, ao lado da mulher, Vera, enquanto tomava coragem para pular em queda livre. — Estamos curtindo também, gostei muito dos Detonautas.

O sexteto carioca foi de fato um sucesso, o que confirma que o público da cidade vai a festivais motivado, antes de mais nada, pelos shows — mesmo que sejam de bandas assíduas nos palcos da cidade. Quando o cantor Tico e seus amigos começaram a tocar sucessos como “Outro lugar” e “Quando o sol se for” — além de músicas emprestadas dos Raimundos e da Legião Urbana -— as filas nas outras atrações diminuíram consideravelmente, o que aconteceria ainda com maior intensidade no show do Charlie Brown Jr.

A fila foi grande para fazer o curso de DJ

Uma das esperas mais fiéis era a do curso de DJ, ministrado pelo pessoal do B.U.M., o badalado Baixada Undergound Movement.

— Já recebemos umas 400 pessoas, acho que chegaremos a 500 até o fim do evento — dizia a DJ Ana Kazz. — Em 15 minutos damos a eles uma noção dos ritmos e de mixagem e efeitos. Depois eles vêm para o computador e produzem uma música, que depois recebem em casa, num CD.

O estudante de fisioterapia Pedro Gouvêa, de 22 anos, saiu de lá pensando em fazer um curso mais extenso com o instrutor Halley Seidel, que o recebeu.

— Não entendia quase nada do assunto e achei muito interessante — dizia Pedro ao lado da namorada, Caroline Mourão.

As filas novamente encolheram quando o Charlie Brown entrou no palco, ao som de “Rubão”, pouco depois de 1h. Apesar dos apelos do cantor Chorão, alguns focos de confusão surgiram — o que incrementou o repertório de palavrões do cantor — mas nada sério.
— Vocês têm muita sorte de morar no Rio de Janeiro, a cidade é linda e as mulheres também — dizia ele.

O público respondeu cantando sílaba por sílaba sucessos como “Zóio de lula”, “Te levar”, “Não é sério” e outras. Enlameados, os garotos não se cansavam de pular mesmo àquela hora. Nada como ter 17 anos.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Bernardo Araujo

Fonte:O Globo