Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Aborto provocado: mulheres ainda são discriminadas nos serviços de saúde

Pesquisa da Unifesp mostra que é comum essas mulheres passarem por constrangimento e julgamento por parte dos profissionais da saúde durante o atendimento de urgência nos hospitais públicos.
Em um depoimento, uma das pacientes chegou a ser denunciada à polícia e afirma ter ficado algemada por três dias em um hospital.
 
 
Essa conduta vai contra a Norma Técnica do Mistério da Saúde, lançada em 2005, que afirma que, mesmo em abortamento inseguro, o atendimento tem que ser de qualidade, ético e sem juízo de valores.
Segundo dados do SUS, em 2006 foram registrados 220 mil abortos espontâneos e provocados no Brasil, sendo 42,7 mil no Estado de São Paulo.
 
            “Ela brigou comigo (a médica), falou que isso era crime...! Que se ela quisesse me processar, ela podia. Aí eu comecei a passar mal... fiquei com medo. Pensei comigo, agora vou presa...”. (D.C. A.)
 
“Eu cheguei aqui mal e, ao invés de me atenderem primeiro, eles perguntaram de quanto eu estava, eu falei que estava de um mês e meio e ela (a médica) falou que eu estava de mais tempo, porque com um mês não tem nem umbigo... aí eu comecei a chorar mais ainda. Eu fiquei com um policial até depois que eu sai da curetagem. Ninguém queria me buscar lá na recuperação...”. “Uma enfermeira falou ‘para abortar não doeu’, quando eu gritei de dor”. (C.S.O.)
 
Esses são apenas alguns dos relatos constantes em uma pesquisa da Unifesp que está sendo realizada em hospitais públicos da cidade de São Paulo e que mostram que o preconceito ainda é forte entre alguns profissionais da saúde que atendem mulheres que dão entrada nos serviços de emergência com hemorragia decorrente de aborto “supostamente” provocado.
 
Essa conduta, no entanto, fere a Norma Técnica do Ministério da Saúde, lançada em março de 2005, que afirma que, em caso de abortamento inseguro, o profissional deve adotar, do ponto de vista ético, a conduta necessária, sem fazer juízo de valor e não julgar, pois é dever de todos os profissionais da saúde acolher dignamente e envidar esforços para garantir a sobrevivência da mulher e não causar quaisquer transtornos ou constrangimentos. “A ameaça de denúncia caracteriza desrespeito e violência aos direitos reprodutivos e humanos”, explica Eleonora Menicucci, professora titular do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp e autora da pesquisa. “No caso da paciente C.S.O., a médica achou que houve infanticídio, quando na verdade não foi. Além das complicações de saúde em decorrência do aborto, ela também permaneceu algemada, por três dias, no próprio hospital”.
           
De acordo com Menicucci, a situação de ilegalidade do aborto impõe obstáculos à decisão da mulher, o que acaba por adiar a interrupção para idades gestacionais mais avançadas, já que ela precisa recorrer a métodos clandestinos para isso. “Os principais sentimentos dos profissionais frente a uma situação de aborto provocado são de revolta, por ela estar tirando uma vida; e pena, pela situação financeira, pela falta de planejamento reprodutivo ou pela condição de abandono que a levou a essa atitude”, explica. “Entretanto, a prática de abandonar a mulher sofrendo numa maca de pronto-socorro ou a recusa do atendimento pode ser encarada como omissão e o médico pode ser responsabilizado civil e criminalmente pela morte ou danos físicos e mentais que ela venha a sofrer”.
           
Para a pesquisadora, é preciso que não apenas a população, mas, principalmente, os profissionais da saúde dispam-se dos preconceitos e julgamentos e encarem a ilegalidade do aborto como um problema de saúde pública. “É preciso que o atendimento não evite apenas as seqüelas físicas, mas emocionais; que valorize os direitos reprodutivos e que informe sobre o que está acontecendo com o corpo delas”, afirma. “Essa ainda é a melhor forma de evitar os abortos de repetição: dar a assistência necessária, com a descentralização na distribuição de métodos contraceptivos, com orientação sobre planejamento familiar e reprodutivo em larga escala e com uma assistência médica de melhor qualidade”.
 
 
 
Minoria assume a prática do aborto
 
           
Os dados preliminares da pesquisa somam 61entrevistas com mulheres que estavam em atendimento em dois hospitais públicos de São Paulo; e outras 22 com médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem.
                       
Durante um ano e seis meses, detectou-se 16 relatos de mulheres que assumiram ter provocado o aborto, porém muitas das participantes do estudo podem ter omitido a informação por medo de serem punidas. Segundo os profissionais envolvidos na pesquisa, as histórias contadas se assemelham, podendo ser destacadas as quedas em escadas e sustos que, supostamente, foram as causas do início do sangramento.            
 
           
O acesso ao livro de registro de um dos hospitais analisados mostrou que, apenas entre os meses de janeiro e abril de 2006, foram realizadas 175 curetagens e 5 Aspirações Manuais Intra-Uterinas (AMIU), método utilizado para os casos de aborto legal (estupro e gestações que coloquem a vida a mulher em risco).
 
 
 
 
Universidade Federal de São Paulo – Unifesp
Assessoria de Imprensa
Telefones: 5579-1328 / 5085-0279 / 5539-4746
 
 

Crédito:Ricardo Viveiros

Autor:Universidade Federal de São Paulo – Unifesp

Fonte:Oficina de Comunicação