Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Os caçadores das novas Giseles

 

A profissão deles não se resume em procurar o belo no meio da multidão, é preciso também entender de números: 90, 1,73, 1,86, 12.

 

Traduzindo: para ser olheiro de uma agência de modelos, é necessário reconhecer de longe se a candidata tem no máximo 90 centímetros de quadril, pelo menos 1,73m altura - no caso do homens 1,86m - e ao menos 12 anos de idade.

 

A fita métrica, uma poderosa aliada destes profissionais, serve apenas para confirmar o que foi previamente analisado. "Dificilmente eu erro o tamanho de um quadril. Uso a fita apenas para passar o certificado do meu palpite", explica Naime Wibhy, da agência e escola de modelos Wannabe.

 

Viver em busca de meninas que possam ser futuras Gisele Bündchens e Ana Hickmanns pode parecer fácil. Afinal, para isso, os scoulters (sinônimo para os olheiros) viajam o Brasil todo e freqüentam festas e eventos em busca de rostos e corpos para estampar campanhas publicitárias internacionais e desfilar para os grandes estilistas.

 

Mas quem trabalha com isso diz que a profissão não é apenas glamour. "Pelo menos uma vez por semana passo mais de sete horas sentada observando meninas que vêm à agência querendo ser modelo. A maioria delas é dispensada e temos de explicar para cada uma por que não foram selecionadas", diz Juliana Gonçalves, ex-modelo e scoulter da Ford Models.

 

Os olheiros também precisam lidar com as "mentirinhas" das aspirantes.

 

Sempre há uma que jura de pés juntos que seu quadril tem 90 centímetros ou que mede mais de 1m70. "Eu digo: "acho que não, hein..". Pego a fita métrica e termino com a farsa. Mas sempre tem uma mãe que chora e implora pela chance. É desgastante", completa ela. Tentar enganar um olheiro é uma pretensão. Eles têm uma espécie de "check list" na memória e ao avistar alguém com potencial começam fazer um "x" em cada um dos itens necessários.

 

As "feias" também podem ter uma oportunidade

 

É preciso ser alta, magra e interessante, não necessariamente bonita. O olheiro da Mega, Anselmo Camaleão, não dispensa pessoas consideradas "estranhas" e até "feias" para a maioria das pessoas. "A beleza do mundo fashion pode seguir um padrão diferente do que estamos acostumados.

 

Um nariz grande, mas em harmonia com o rosto, pode conferir à modelo personalidade".

 

Naime Wibhy observa se a garota apresenta a dentição correta e pele boa. "Se a menina tiver de usar aparelho nos dentes teremos problemas, porque ninguém contrata modelos com o sorriso metálico", diz ele. "Se a pele tiver espinhas também é preocupante porque é durante a adolescência que elas irão trabalhar mais". Justamente porque precisam ficar atentos a todos estes "detalhes", os olheiros das grandes agências gostam de passar desapercebidos no meio da multidão e prezam a discrição.

 

O comportamento é uma forma de observar o provável futuro modelo agindo de modo natural e também de vê-lo de cara lavada, calça jeans e sem produção.

 

"Se vejo uma garota linda às 7h, esperando o ônibus para ir à escola, sei que ela ficará maravilhosa com maquiagem e produção", diz Camaleão.

 

Cabe também ao olheiro analisar o visual dos pretendentes à carreira e detectar as mudanças que possam transformar o "produto" em tipo exportação.

 

O olho clínico de uma ex-modelo

 

Camaleão, por exemplo, quando olha para garotas (ou garotos) com potencial, fica tentando imaginá-las com uma cor ou um corte de cabelo diferentes. "Isso acontece sempre que cruzo uma menina que pintou o cabelo.

 

A cor natural normalmente combina com a tonalidade da pele e isso faz a diferença no visual".

 

A experiência de ex-modelo de Juliana a ajuda a identificar qual garota acima do peso poderá de fato emagrecer para atingir o padrão das passarelas.

 

"Vivia brigando com a balança e sei que garotas que precisam perder mais de oito quilos estão sempre oscilando de peso. Nestes casos, temos que analisar bem".

 

Preenchido os pré-requisitos, os scoulters finalmente se aproximam. Nada originais, lançam a pergunta: "você já pensou em ser modelo?" e entregam um cartão da agência. "Quando a gente fala que é de uma agência, muita gente acha que é o conto do Bozó (personagem do Chico Anysio que dizia: "trabalho na Globo"). E eu até entendo porque tem muita picaretagem por aí" mas é assim que trabalhamos", diz Naime.

 

 
O caçador de esmeraldas: a modelo Raquel Zimmer (E), que hoje mora em Nova York e já fez campanhas para a Valentino, foi descoberta em Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, pelo olheiro Anselmo Camaleão, da agência Mega


 

Crédito:Anna Beth

Autor:Larissa Squeff

Fonte:Jornal da Tarde