Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

A Surra das Sandálias

É espantoso e impressionante como
Aquela menina tão pequenina  
Arrasta facilmente tão grande saca.
Tão cheia, tão gorda, tão amarela,
Que já não parece ser aquela
Que ao estendal serviu fortuna.
Parece a nova dimensão dos sonhos
Que invadem de energia quem os cria e
Paralisam quem deles escarnece e desmerece.
 
Nunca param. Jamais se cansam.
Uma puxa porque acredita,
Outra segue porque é vassala,
E fazem o som que jamais se cala.
 
O da saca arrastada é a melodia,
O ritmo é das sandálias de Maria
E a euforia emerge do feronoma
E da energia dos sonhos que um dia
Viram o sol no estendal do quintal
Pela mão da poesia pendurados.
 
E rua após rua,
Esquina após esquina,
Rendidos à pequenina
Finalmente acordados,
Aos sonhos dá-mos razão
E à razão dá-mos sonho.
Enfim, vive-se
A arte chegou à vida.
 
E Eu ali pasmado assistira
Ao Tudo a ser transformado
Pela Luz que naquele dia
Pintara as ruas por onde Maria
Arrastara a saca da magia,
Surrando as sandálias.
 
Estendi os olhos e "inda vi
A mão puxar a saca no canto.
A Infanta dobrara entretanto
Mais uma esquina da vida.
Partira d"onde Eu ficara,
Já sem lágrimas e cobarde,
Colado ao desencanto
E ao canto do Eu Nada.
 
Ainda oiço a música,
O balanço, a melodia.
É o eco do sonho da vida,
Da insatisfação incontida.
 
Partiu-me o sonho na saca
E com ele os pincéis e as tintas.
Os amigos e as pedras da rua
Também. Ficou-me ninguém.
E foi no discurso do silêncio
Que Eu ouvi:
Por hoje chega,
Entro na saca e
Durmo aqui.
.
EuNada_RetalhosMil, 2003-03-13
.
Esta é a letra de dizer nada.
Do nada que ora é o mais que nada dizer,
Rebento se nada digo.
Rebento se digo nada.
Dizer nada diz tudo.
Eu nada retalhos mil.

Crédito:Carlos Pombo Monteiro

Autor:Carlos Pombo Monteiro

Fonte:Universo da Mulher