Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

Brasil, fábrica de monstros?

A barbárie que se abate sobre nós não pára de surpreender e nos leva a perguntar que tipo de seres humanos estaremos formando hoje no Brasil?
 
Que sociedade é esta que transforma gente como nós em monstros capazes de cometer crimes que ultrapassam o conceito de crueldade, como o que vitimou o menino João Hélio?
 
 
A criança, de apenas seis anos, foi brutalmente assassinada quando sua mãe, assaltada e rendida por uma dupla de facínoras, tentava retirá-lo do carro. Os assassinos são Diego Nascimento da Silva e um “menor” de 16 anos, cujo nome não pode ser revelado, certamente para não “constranger” tão sensível criatura.

Menor, criança, era João Hélio que ficou preso do lado de fora do carro e não conseguiu se desvencilhar do cinto de segurança, sendo arrastado por sete quilômetros e quatro bairros do subúrbio carioca, pelos bandidos que faziam ziguezague, com o veículo, em alta velocidade, para tentar livrar-se do corpo que ia deixando  pedaços à medida que era arrastado pelo asfalto “com um barulho de papelão rasgando”, segundo testemunhas. Pelo caminho ficou um rastro macabro, partes da cabeça, massa encefálica, foram espalhados pelas ruas. Sangue e vísceras, evidências de uma morte pavorosa. No final, os assassinos percebendo que não conseguiriam livrar-se dos restos ainda arrastados pelo carro, simplesmente o estacionaram e abandonaram.

A pergunta que faço é: O que fazer?
 
 
O primeiro impulso é pedir o sangue dessas feras. Dificilmente escaparão com vida da “justiça” das cadeias, mas e então, estaremos satisfeitos? Se resolvesse bastaria deixar que a multidão linchasse os criminosos e a sede de vingança estaria saciada. Mas e daí? Iríamos todos dormir tranqüilos?
 
Quantos “Diegos” e “Di menores” andam por aí, sem qualquer perspectiva, jogados fora, entregues à própria sorte pelas ruas das grandes cidades brasileiras?
 
 
Trabalho perto do consulado norte-americano e vejo todos os dias no monumento à amizade entre Brasil e EUA, meninos e meninas de rua que dormiram ali e pela manhã já estão cheirando cola preparando-se para mais uma jornada de pequenos delitos, talvez a última de suas invariavelmente curtas vidas. Da sociedade, dos pais, nada recebem e em troco nada darão, ou melhor, darão medo e – de vez em quando – cometerão crimes de arrepiar.
Mas a grande maioria se defende com malabarismos nos sinais, vendendo bugigangas, limpando vidros ou simplesmente pedindo dinheiro.

É a nossa insensibilidade que gera isso. O Brasil de 2006 é um país (?) dividido entre crianças (pequenos seres humanos com pai, mãe, carinho, escola, brinquedos, e uma vida pela frente), e outros seres, que de crianças só têm a baixa idade, mas que carecem de todos os demais requisitos que caracterizam a infância e morrem como moscas, assassinados, seja pela polícia seja pelos bandidos, aos quais muitas vezes prestam serviços.
 
 
Somos campeões mundiais de violência contra os jovens. Nosso ensino decai sem parar e os governantes fingem que nada têm a ver com isso e chegam a legislar atribuindo a esses menores um estatuto que lhes dá o alegado “direito” de viver na rua. Quando os recolhem é para maltratá-los e transformá-los em monstros.

Para dar um exemplo, cito o relato de minha sogra que há alguns dias estava em frente a uma sapataria quando foi abordada por um menino de uns 13 anos, negro, mirrado, descalço e vestindo unicamente uma sunga.

“Tia”, pediu o menino, “você podia me dar dois reais para eu inteirar cinco e comprar uma sandália de dedo?
Eu não agüento mais tia”, disse e mostrou os pés esfolados pelo asfalto quente. Minha sogra entrou na sapataria e tirou uma nota de cinco e pediu o chinelo à vendedora.
 
 
Uma mulher que estava na loja virou-se para ela, revoltada, e censurou-a asperamente por seu gesto, afirmando que “esse menino é um vagabundo e não precisa de nada!”.
 
 
Contendo-se, minha sogra respondeu apenas que não conseguia compreender com que olhos essa mulher estava vendo aquele menino.

Essa é a pergunta.
 
 
Com que olhos estamos olhando para a nossa sociedade?
 
Para os meninos que ainda não assassinaram?
 
Como protegeremos os filhos que amamos se não olharmos para os outros da mesma maneira como olhamos para os nossos?
 
 
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Crédito:Luiz Affonso

Autor:Fritz Utzeri

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