Rio de Janeiro, 19 de Maio de 2024

Em busca do tempo criativo

O feminismo deu certo?
 
Para milhares de mulheres que entraram no mercado de trabalho e deixaram de cuidar dos filhos — e, em alguns casos, nem tiveram filhos — a resposta é não. As mulheres independentes estão infelizes, segundo pesquisas feitas pelo Centro de Liderança Feminina (Celim) e por empresas como a Avon, a Eletrolux, e a Sadia, e exigem nova e radical revolução: a reengenharia do tempo, para que homens e mulheres tenham direito ao trabalho, mas também à vida privada e ao convívio familiar. Essa bandeira foi empunhada pela feminista Rosiska Darcy de Oliveira, presidente do Celim, diante de empresários reunidos por ela no Fórum de Reengenharia do Tempo, há um mês na Firjan, e pretende “humanizar” as relações de trabalho no país:

— Eu, como líder feminista, sinto-me na obrigação de corrigir essa grande armadilha do feminismo. Nós queríamos igualdade de oportunidades e de liberdades. Mas o que aconteceu? A mulher tornou-se igual ao homem e também responde por suas atribuições femininas em casa e na família. E ainda é culpada porque suas responsabilidades não cabem nas 24 horas do dia. O feminismo resultou numa grande injustiça com as mulheres — diz Rosiska.

Para corrigir essa injustiça, segundo ela, será preciso uma reengenharia do tempo no trabalho, com jornadas reduzidas, horários flexíveis e uso de novos instrumentos tecnológicos como a internet para que mulheres e homens voltem a desfrutar a vida privada e a felicidade.

O novo tempo de Rosiska — que ela discute em dois próximos livros, “Outono de ouro e sangue”, recém-lançado pela Rocco; e “Reengenharia do tempo”, que sai no final do ano — foi aprovado pelo empresário Hélio Mattar, ex-secretário de Indústria e Comércio do Ministério do Desenvolvimento e atual presidente do Instituto Akatu, e pelo presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Hélio Mattar promete levantar e publicar, em parceria com o Celim e com a Firjan, todas as alternativas para ajudar os empresários a enfrentar a crise de valores humanistas do mundo produtivo:

— Precisamos sair do modelo de tempo e espaço rígidos sob forte controle para o modelo de tempo e espaço flexíveis com avaliação do desempenho — diz Mattar.

A reengenharia do tempo já começou em empresas como a Cia Aérea Rio Sul, que criou escalas de vôos para mães e pais de filhos pequenos. As comandantes e comissárias só voam de manhã e voltam para casa todos os dias, como a comissária Adriane Rico, de 30 anos, mãe de João Vítor, de 2:

— Eu não sei como seria a minha vida se eu tivesse que pernoitar três dias fora de casa. É essa escala que me prende à empresa. Minhas colegas de outras companhias sofrem de depressão por terem que ficar longe dos filhos — conta a comissária.

A chefe das comissárias Letícia Rogério explicou que a escala especial de trabalho atende só a mães que tenham filhos de até 5 anos. Os homens, segundo ela, não fizeram tal solicitação.

A atriz Cássia Kiss, mãe de três filhos, aplaudiu a proposta da reengenharia do tempo. Ela disse que a mulher já percebeu que a conquista da independência foi uma ilusão, porque teve que abrir mão de algo essencial, que é a educação dos filhos:

— A mulher ocupou o lugar do homem no trabalho, mas o homem não quis ocupar o lugar da mulher em casa. O resultado é que a mulher enlouqueceu com essa sobrecarga e hoje vê seus filhos virarem monstros abandonados. Temos de sair desse caos.
 
Mulheres desejam um ‘capitalismo saudável’

Filha do ex-ministro Marcílio Marques Moreira, a escritora Maria Teresa Marques Moreira resolveu fazer sua revolução pessoal antes da reengenharia do tempo se tornar popular nas empresas. Executiva de uma multinacional nos anos 90, ela aproveitou uma reestruturação da empresa para pedir demissão e realizar dois sonhos: escrever e, ao mesmo tempo, cuidar dos filhos Luís, de 10 anos, e Rafael, de 8:

— Eu tive que desmamar meus filhos mais cedo para viver na ponte-aérea entre Rio e São Paulo. Cheguei a ficar 15 dias sem vê-los, deixando-os com a babá e com o pai. Sofri muito e resolvi não abrir mão dessa convivência diária com eles. Só assim poderei ensiná-los valores humanistas.

A luta para trabalhar sem abrir mão da vida pessoal

No almoço, escovando os dentes, nas brincadeiras a caminho da escola, Teresa diz que vai mostrando aos meninos que a felicidade está nas pequenas coisas, nesses momentos do cotidiano. Agora, Teresa recebeu nova proposta de trabalho, na qual a flexibilidade de horário foi a base da negociação:

— Não fiz uma exigência. A própria empresa veio com esse oferecimento — diz.

Essa questão atravessa também o Centro de Liderança Feminina, que, segundo Rosiska, oferece formação para mulheres que vão receber responsabilidades importantes na sociedade. Rosiska afirma que o reconhecimento da importância da vida privada é hoje fundamental até mesmo para o sucesso das empresas:

— A jornada de oito horas foi instituída no século XIX, mas a produção hoje se baseia no imaterial, como a criatividade, que é fundamental. Há uma inadequação das estruturas produtivas com a modernidade da produção.

A pesquisa “Mulheres do Brasil”, coordenada este ano pela psicóloga Oriana White para a Avon, a Eletrolux e a Sadia mostrou que, entre 430 mulheres entrevistadas em todo o país, a maioria está insatisfeita e já busca alternativas para recuperar a vida afetiva e a criatividade, sem perder a independência econômica:

— As mulheres querem uma reformulação geral no ritmo e na forma de trabalho. Isso não significa voltar ao fogão, mas a maioria não quer mais viver com três agendas, gritando com as crianças para que elas comam rapidamente porque a mãe está sempre com pressa.

A atriz Lília Cabral diz que a mulher contemporânea é obrigada a se desdobrar para trabalhar sem comprometer a qualidade da relação com os filhos. Em cartaz com a peça “Unha e carne”, no Teatro dos Quatro, e integrando o elenco de “Sabor da paixão”, nova novela das 18h da Globo, ela tem aproveitado parte da manhã para dar atenção à filha Giulia, de 5 anos. Nos momentos mais conturbados, sua rotina consiste em sair às 9h e voltar à meia-noite.

— Minha filha, Giulia, de 5 anos, tinha apenas 3 meses quando eu fui para a Bahia para gravar o seriado “Dona Flor e seus dois maridos” e pouco tempo depois eu já estava gravando “Anjo mau”. Hoje é mais fácil porque ela sabe que o meu trabalho me dá prazer e quer me ver de bem com a vida. Meu marido tem levado a Giulia para me ver no teatro e ela assiste, entende e curte.
(Colaboraram Elisa Torres; e Juliana Zaroni, do Diário de São Paulo)

Receitas de criatividade

TEMPO PARCIAL:
 
Para o empresário Hélio Mattar, as alternativas criativas já encontradas por muitas empresas são o trabalho temporário, o meio-expediente, o trabalho compartilhado por duas pessoas, o trabalho por telefone em casa, os rodízios e os afastamentos temporários. Ele disse que uma pesquisa feita pela Universidade de Boston com mil empresas (de 1.200 a 18 mil funcionários) que se humanizaram comprovou que elas tiverem resultados muito mais produtivos que as convencionais. Além disso, houve menos faltas, menos horas extras, mais criatividade, mais solidariedade e confiança.

MÃE REMUNERADA:
 
O prolongamento da licença-maternidade é outra alternativa para compatibilizar o trabalho feminino com a maternidade. O psicanalista Nahman Armony sugere que a maternidade seja remunerada no mínimo durante dois anos para garantir uma geração de futuros adultos bem estruturados emocionalmente.

NOVA AVALIAÇÃO:
 
A presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV), Cecília Shybuia, diz que hoje as empresas sérias não vêem com bons olhos os funcionários que trabalham demais e ainda levam trabalho para casa. Certamente, alguma coisa está errada. Ou ele está administrando mal o seu tempo ou está usando o trabalho como fuga para algum outro problema. Os funcionários bem-vistos são os que trabalham bem e apenas o necessário.

VALORES HUMANISTAS:
 
Para o professor da Faculdade de Administração da Fundação Getúlio Vargas e consultor em Recursos Humanos Sérgio Amad, as empresas estão percebendo que investir em qualidade de vida e resgatar o lado humano nas organizações é fundamental. As pessoas que sabem equilibrar lazer, família e trabalho, conseqüentemente, são mais produtivas e encaram suas tarefas de maneira mais positiva, melhorando seu desempenho.

CRECHES NA EMPRESA:
 
Segundo a assistente social Ana Maria Giamarino, algumas empresas têm percebido as dificuldades da mulher moderna e têm mapeado com precisão as necessidades de sua funcionárias. A iniciativa de proporcionar serviços que facilitam o dia-a-dia de mães tem resultado em benefícios significativos. As creches na empresa onde a mãe tem a tranqüilidade de estar perto do filho enquanto trabalha são um exemplo.

FEIRA E MANICURE:
 
As mulheres ficam mais felizes em empresas que têm academias de ginástica, supermercado, lista de feira em que os itens são entregues na casa da funcionária, além de manicures na hora do almoço. Há ainda programas culturais como coral, oficinas de teatro e visitas da família ao trabalho.

Crédito:Anna Beth

Autor:Marcia Cezimbra,Elisa Torres; e Juliana Zaroni,

Fonte:O Globo e Diario de São Paulo