Rio de Janeiro, 18 de Maio de 2024

Vem, meu cachorrão

O negão Edmilson quase teve uma crise nervosa outro dia. O rapaz, que trabalha na Paradise Dog como passeador de cachorro, jura que só levou susto maior durante as várias sessões em que viu “A lenda do cavaleiro sem cabeça”, seu cult filme. Chamado para dar banho na cadela poodle na casa de uma cliente, ele ficou estatelado quando a moça, um pedaço de mau caminho, abriu a porta “bem à vontade” e disse: “O banho não é no cachorro é em mim.”

Casado, com dois filhos, ele recusou gentilmente o convite.

— Pensei que era uma pegadinha do Faustão, mas quando vi que era de verdade me mandei.

 
 
É preciso domar o entusiasmo das mulheres

Nascido em Porciúncula, onde moram a mulher e filhos, Edmilson Francisco da Silva, de 30 anos, diz que aprendeu a controlar o desejo nesses “14 anos de coleira”. Além do trabalho que tem com os cães, ele ainda tem de domar o entusiasmo das mulheres.

— Elas puxam papo, pedem o telefone do dog e eu, que sou meio roceiro, fico com vergonha.

Quando a mulher é bonita, seu coração balança. Mas ele jura que não cede à tentação.

— Tem que segurar a libido..

Em tempos de economia informal, descobre-se que passear com cachorro de madame pode render um dinheiro extra e, de quebra, quem sabe, rolar uma azaração. Quem descobriu a nova profissão foram os argentinos, há alguns anos. Não havia quem fosse a Buenos Aires e não se encantasse com os apetitosos rapazes e seus maravilhosos cachorros de raça passeando pelos bosques de Palermo e adjacências. No Rio a moda pegou agora. Em Ipanema ou no Leblon, onde a categoria dos dogs walkers iniciou suas atividades, os rapazes e seus músculos sarados à mostra são um show à parte. Os olhos espantados das pessoas percorrem aquela fila de oito a doze bichinhos de estimação e, claro, acabam subindo pelas pernas musculosas, passam pelo bíceps do “cachorrão”, sobem mais um pouco e avaliam os peitoris trabalhados em academias. Não é raro ouvir gracinhas do tipo qual é o telefone do cachorrinho? E não é para menos. Além de altos, fortes e sarados, o figurino dos dogs walkers inclui sempre shorts curtíssimos, bermudas e as famosas camisetas amarradas na cintura.

Parece que os meninos estão ganhando, dia a dia, mais admiradores. Até na novela das oito, “Mulheres apaixonadas”, há espaço para uma passeadora, a Edwiges, interpretada por Carolina Dieckman. O autor Manoel Carlos conta por que resolveu colocar uma passeadora na novela:

— É uma atividade rica de acontecimentos. Meu filho tem um maltês que não sai para passear.

Na vida real é preciso muque para enfrentar a profissão. Passear um cachorro pequeno é uma coisa. Levar pela coleira dez cães de grande e médio portes é diferente.

Marcos Barbosa, um fortão de olhos verdes que já foi pára-quedista e vendedor, concorda:

— Passear com labrador é como uma sessão de musculação. Não é preciso fazer exercícios, só segurar o bicho pela coleira.

Marcos cuidava dos cães dos tios na Zona Sul e começou a chamar a atenção dos vizinhos. Todos elogiavam o vidão dos totós. Ele percebeu a oportunidade e imprimiu cartões que distribuía:

— Eu não tinha muito estudo mas tinha intimidade com cachorro. Mandei ver nos cartões e os bichos pintaram.

Ele conta que os piores momentos são quando o seu bando de cães encontra fêmeas na rua:

— Elas vêm direto em cima por causa do cheiro. Tem que ter pulso para segurar 10 cães de uma vez.

Para agüentar o tranco, basta pegar umas ondas no Arpoador e dançar na Fix, na Rua das Marrecas, no Centro do Rio. A namorada tem ciúmes:

— Isso atrapalha um pouco.

Renato Elias, 18 anos, quer ser veterinário.

— Como gosto muito de cachorro associei meu trabalho ao que gosto. Hoje tenho seis animais das raças labrador e cocker spaniel. É mais fácil lidar com o labrador porque ele é calmo. O cocker é muito ativo e exige demais dos músculos.

Renato é paqueradíssimo. Ele conta que costumava levar o cachorro de uma cliente para passear e a filha dela acabou se apaixonando por ele.

— Ela começou a me telefonar direto. Levei na brincadeira e ela parou. Não namoro cliente. Além de ter namorada não misturar as estações.

 
 
Namorada tem ciúme das cantadas

Bem mais preparado que seus companheiros de profissão, 23 anos, e olhos cor de mel, Renato Gomes, formado em marketing, driblou o desemprego criando a empresa Um Cão de Sorte, em Botafogo. Ele e sua equipe seguem regras. A primeira delas é se fazer conhecer em uma apresentação na base do cheiro, para estudar o temperamento do cachorro. Renato pode ser visto na casa de clientes que gostam de bom papo:

— As pessoas estranham quando me conhecem. Elas esperam uma pessoa com pouca cultura. Aí chamam para um lanche...

Cantadas só recebeu pelo telefone, coisas do tipo: “Quanto você cobra para passear com o cachorro? E com a dona?” Ele sabe despistar com bom humor:

— Minha namorada tem ciúmes mas controla numa boa. As mulheres atacam mas finjo que não está acontecendo nada. Meu negócio é cachorro.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Elisabeth Orsini

Fonte:O Globo