Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Os vincos no rosto e as rugas na alma


Augusto Nunes (*)
 
 
"Um é novo, outro é velho, decreta a primeira linha de uma reportagem que confronta os perfis dos candidatos Eduardo Paes, 38 anos e Fernando Gabeira, 67.
 
Se a frase estivesse incorporada ao editorial que formaliza a escolha feita por um jornal, nada a objetar. Se incluída em algum texto assinado por colunistas ou colaboradores, formalmente liberados para emitir opiniões, tudo bem.
 
Se abre uma reportagem destinada a tratar as coisas como as coisas são, a isenção é assassinada no início do filme – e os capítulos restantes são condenados à morte por parcialidade.
 
Não há esperança de salvação para matérias jornalísticas que, amparadas em duas certidões de nascimento, decretam em seis palavras quem é o novo e quem é o velho.

Se a diferença de idade é o quesito mais relevante no desfile de comparações, a sensatez e a ética recomendam enunciados que rimem com neutralidade.
 
Por exemplo: um tem 26 anos menos que outro. Ou, então, um tem 26 anos mais que outro. Ou, ainda, um é mais novo que o outro.
 
 
A escolha de uma quarta opção fez de Paes a encarnação da novidade, da inovação, da mudança – e comunicou aos cariocas que o candidato do PV é apenas velho.
 
Quase 34 anos distante de Oscar Niemeyer, 10 atrás de Fernando Henrique Cardoso, quatro à frente de Lula, apenas um à frente de José Serra, Gabeira só se encaixaria nessa simplificação se fosse portador de senilidade precoce (e aguda).
 
Como o candidato sessentão chegou ao ponto final com boa saúde, deduz-se que o decreto se apoiou exclusivamente no calendário gregoriano.
 
 
Juventude é uma expressão associada a entusiasmo, energia, dinamismo, vitalidade. No Brasil, pode ser o outro nome do perigo. Os mais velhos sabem disso desde o começo da década de 60.
 
Os ainda novos ficaram sabendo na década de 90. Jânio Quadros tinha 44 anos ao tornar-se presidente em 1961. Renunciou depois de sete meses, sem explicar por quê.
 
 
O vice João Goulart tinha 43 quando herdou a vaga. Perdeu-a 36 meses mais tarde, deposto pelo golpe militar de 1964.
 
Como a era dos generais revogou a eleição direta, o último presidente escolhido nas urnas seria também o mais jovem da história republicana entre 1960 e 1989. Foi superado por Fernando Collor, eleito com 40 anos.
 
O recordista em idade se tornaria também o único a escapar do impeachment pelo atalho da renúncia. Os presidentes quarentões não deixaram saudade.

No começo da campanha, Eduardo Paes parecia moço demais para cuidar do Rio.
 
A 2 dias da decisão para a eleição de prefeito no Estado do Rio de Janeiro, está claro que o corpo de menor de 40 tem uma cabeça perturbadoramente envelhecida por excesso de pressa e carência de princípios.
 
Gabeira foi desde sempre um contemporâneo do mundo ao redor. Paes é a versão remoçada dos políticos do século passado. Um se orienta por idéias. Outro é conduzido por interesses, circunstâncias e conveniências.

Embarca no trem que lhe parece mais veloz, abandona o vagão quando a velocidade diminui.
 
Começou no PV, fez uma demorada escala no cordão dos agregados de Cesar Maia, elegeu-se deputado federal pelo PFL, filiou-se ao PSDB, caprichou no papel de inquisidor enquanto durou a CPI dos Correios, foi promovido a secretário nacional do partido, candidatou-se a governador para garantir a tribuna indispensável para desancar o padrinho Cesar Maia e o adversário Sérgio Cabral, rendeu-se a Lula, presta vassalagem à primeira-dama, ordena agressões a cabos eleitorais adversários, mobiliza entidades fantasmas em passeatas instruídas para gritar que Gabeira odeia suburbanos, renega os companheiros de combate na CPI, acaricia mensaleiros juramentados, absolve de todos os pecados a bandidagem dos partidos que o apóiam.

Cesar Maia?
Só esse não pode.
 
Babu, o vereador de estimação dos moradores dos presídios, esse pode.
 
Delúbio Soares?
Pode.
Os vincos no rosto de Fernando Gabeira reafirmam a idade que tem.
 
As rugas na alma de Eduardo Paes informam que a idade mental é muito maior que a oficial.
Um é antigo. Outro é moderno".

 
 
(*) Jornalista, publicado originalmente no JB, edição de 15/10/2008
 
 
 
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Crédito:Luiz Affonso

Autor:Augusto Nunes

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