Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Direitos Humanos

Na semana passada, tal qual um Luciano Huck sem Rolex, fui assaltado. Ao abrir o portão automático de casa para sair com o carro, tive a passagem bloqueada. Do outro veículo saiu um jovem negro vestido com bermuda, camiseta, chinelos e boné. Encostou uma pistola automática em minha cabeça e, com repetidos avisos de “você vai morrer”, anunciou o assalto.
 
 
 
Foi a primeira vez nos 26 anos em que moro naquela casa, no Rio de Janeiro. Aliás, na vida. Nem mesmo presenciara fatos semelhantes. Histórias, sim, ouvira muitas.
 
 
É comum usarem essa virgindade para desafiar minhas convicções quanto aos direitos humanos: “Você pensa assim porque nunca aconteceu nada com você ou sua família”. Concordava, afinal apontar a desigualdade social como maior responsável pela criminalidade está cada vez mais fora de moda. Impunidade é o que conta. Como se as cadeias brasileiras replicassem dachas soviéticas e vivessem vazias.
 
 
Minha primeira reação não foi de medo, mas de espanto: “O quê? Então, você não está aqui para pedir para tomar conta de meu carro ou limpar o vidro do pára-brisa? Cadê o saquinho de balas de um real, ou a flanela? Quer mais do que cinco reais? Leva dez e me deixa em paz”.
 
Convencido de que não se tratava de um espetáculo de malabares, comum nos semáforos da cidade, calmo, dialoguei com o assaltante sobre os movimentos que poderia fazer para atender às suas ordens.
Foram-se dinheiro, carteira, cartões, celular, enfim, vivi um típico evento de desapropriação do aparato burguês. Claro que poderia ter sido pior. Invadirem a casa, responderem a algum pânico dos que lá estavam, levarem-me junto para um seqüestro-relâmpago. Não foi assim.

Diante disso, e talvez por isso mesmo, mantenho as minhas convicções. Não cobrarei das autoridades públicas aumento do policiamento em meu bairro. Comparando com outros rincões paulistanos, moro dentro de uma fortaleza. Um dos menores índices de homicídios da cidade. Também, acredito impossível um policiamento de tal forma ostensivo que atenda todos os cantos de uma megalópole e a qualquer momento. Ao contrário do famoso apresentador da TV, não quero ajuda do capitão Nascimento ou do BOPE. Nem de seus simulacros paulistas.
 
 
Quero apenas um governo desenvolvimentista que promova uma brutal transferência de renda das classes abastadas, formadas no ventre do mercado financeiro, para os trabalhadores e para os setores produtivos da economia. Através de financiamento, emprego e também, senhores, de assistencialismo.
 
 
Quero que o Congresso vote as reformas política, tributária e trabalhista, ao invés de se ocupar com a conferência de notas fiscais de despesas dos três Poderes, inclusive as suas próprias.
 
Quero que a grande mídia discuta com neutralidade e criatividade temas importantes para o País – planejamento estratégico, reformulações geopolíticas, modelos de desenvolvimento educacional, etc. – e se ocupe menos em destilar preconceitos e os interesses econômicos de seus acionistas.
 
 
Quero propostas e ações corajosas e laicas para a descriminalização das drogas, do aborto e das pesquisas com células-tronco.
 
 
 
Quero que o combate ao tráfico não fique restrito a ações policiais nos morros mostradas em reportagens de TV. Afinal, qual o significado daqueles policiais armados cruzando agachados ruas cheias de transeuntes, atirando para um lá em cima qualquer onde supõem estarem perigosos bandidos?  Somente as balas perdidas agradecem. Aqui, ou se vai para a guerra, o que inclui as Forças Armadas, ou para a legalização do consumo com prevenção e tratamento adequado dos usuários.
 
Do aparelho cultural brasileiro não quero nada. Também, não espero nada. Que continue medíocre como hoje está. Desligo-o, e vivo do passado.
 
 
 
Finalmente, e se o assaltante estiver me lendo, menos impositivo, gostaria que ele devolvesse meus pertences e, quem sabe, o dinheirinho.
 
 
 
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Montbläät - Um Jornal para Entender o Brasil
Rio de Janeiro – 22 a 28 de fevereiro de 2008
Edição Nº. 277 - ANO IV
 
 

Crédito:Luiz Affonso

Autor:Rui Daher

Fonte:www.montblaat.com.br