Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Castelo feito de areia - Por Murillo Aragão

O governo Lula durou, de verdade, os primeiros duzentos dias em meio a festas e “salves-salves”. Começou a perder energia quando abandonou as reformas e embarcou na tentativa de reeleger João Paulo Cunha e José Sarney para as presidências da Câmara e do Senado. Mais ou menos em outubro de 2003. De lá para cá, o governo foi se desmanchando. Não foi ao chão porque o medo de dar uma grande confusão econômica manteve o rumo da política, evitando fuga de capitais, volatilidade e especulação.
           
O crescimento de 2004, acima das expectativas, ajudou. Mas, tipicamente, foi como um vôo de galinha: curto, desestruturado e pouco consistente. Baseou-se no aumento do gasto público e na explosão do assistencialismo. Voltamos a crescer pouco em 2005 e, talvez, continuemos crescendo mais ou menos em 2006, já que o mercado financeiro, interessado apenas em retornos elevados e garantia de investimento, continuou batendo palmas como se o país realmente estivesse avançando muito. Avança pouco. Muito aquém das nossas possibilidades e reais necessidades.
           
O atual governo foi o governo das oportunidades perdidas. Lula perdeu a possibilidade de avançarmos na substituição do software assistencialista-corporativista-intervencionista-estatizante que controla o Brasil. Chegou a ensaiar um discurso reformista quando aprovou a reforma da previdência social. Demorou cinco minutos. Enquanto agradava o mercado produzindo superávits primários elevados, apertou o torniquete da sociedade aumentando a já absurda carga tributária: estamos em 38% do PIB e recebemos farelos de um estado podre.
           
Ao invés de serviços públicos melhores e espaço para investimentos privados, o Brasil é um imenso programa assistencialista. Temos o nível “Platina” com financiamento subsidiados do BNDES e isenções tributárias. Temos o nível “Gold” com acesso privilegiado ao Banco do Brasil. Temos ainda dois outros níveis: o “Silver” com acesso à Caixa Econômica e o “Pé-Rapado” com distribuição de cestas básicas, restaurantes a R$ 1,00 e programas Bolsa-Família.
           
Lula, ao invés de usar a imensa popularidade e apoio que tinha para colocar o Brasil em outro patamar, amarrou os cadarços das chuteiras uns nos outros. Aprofundou o discurso das platitudes e embarcou no mensalão. Pior, sob os aplausos de parte da elite que prefere o acesso preferencial ao programa assistencialista a enfrentar o poder do Estado. Lula não avançou quase nada em medidas que facilitariam a vida de quem quer investir. Como o governo se equilibra entre o paradoxo de pagar a dívida pública e gastar mais, a única escapatória é o aumento exorbitante da carga tributária. Bovinamente, a sociedade aceita.
           
O governo Lula é muito conservador em todos os seus aspectos: pratica clientelismo e assistencialismo em larga escala, estimula o intervencionismo e promove uma exorbitante arrecadação tributária. Agora, com a saída de Palocci, em outro episódio grotesco, corremos o risco de piorar o que é mais ou menos e, obviamente, não melhorar o que é ruim. Mantega vem para segurar as pontas, liberar recursos para alavancar a campanha eleitoral e deixar tudo na mesma. A evidente queda da taxa de juros é um caminho natural e mais do que esperado. Será difícil ir além disso.
 
 
Murillo Aragão é presidente e analista de uma empresa de pesquisa e análise política e de políticas públicas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Distrito Federal (CEUB), é mestre em Ciências Políticas e doutor em Sociologia (com ênfase em estudos latino-americanos) pela UnB - Universidade de Brasília. É consultor associado da rede de consultores Latin Source sediada em Nova York e membro do Conselho Consultivo da Comgás do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação publicitária e do Instituto Ayrton Senna, entre outros, e Chairperson do Comitê de Análise de Conjutura da Câmara Americana de Comércio – SP.
 
 

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Murillo Aragão

Fonte:Coluna Café Brasil