Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

De braços abertos para a política

De braços abertos para a política

As saias subiram, subiram e subiram, o chapéu virou demodê e as anquinhas e polainas foram devidamente aposentadas. Mas, do fim do século XIX ao início do XXI, o carioca não perdeu a pose. De revolucionário. Ocupou as ruas para festejar a Proclamação da República e, quase um século depois, fez delas o palco para derrubar um presidente. Pediu o fim da censura e as Diretas-Já. Um protesto na Central do Brasil, uma passeata na Avenida Rio Branco e está pronto o cenário para as maiores mobilizações populares da história do Brasil. Bairrismo à parte, o livro “Grandes manifestações políticas do Rio de Janeiro”, que será lançado amanhã, prova que, sem a cidade maravilhosa, a trajetória da República no país teria, no mínimo, carecido de charme.

— Os grandes movimentos de rua no Brasil ocorreram no Rio. Isso é indiscutível — pontifica o historiador Américo Freire, coordenador do livro.

Imagens da Era Vargas e da campanha de Rui Barbosa

Parceria da Assembléia Legislativa do Rio com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, o livro tem mais de cem fotos, ilustrações e documentos. Os detratores podem até acusar um certo excesso de carioquice, mas a lista de manifestações ocorridas por aqui derruba qualquer crítica. Saudades de Getúlio Vargas? Pois lá estão as comemorações do Dia do Trabalho no estádio de São Januário. Milhares de pessoas aplaudem o ditador, que seria igualmente pranteado quando se suicidou, duas décadas depois.

— O Rio foi importante em todas as campanhas presidenciais. Poucos lembram mas, por exemplo, a cidade acolheu calorosamente a campanha civilista de Rui Barbosa, nos anos 20 — lembra Américo.

Rui, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Getúlio não foram os únicos a mobilizar multidões. O prefeito Pedro Ernesto, que governou a cidade de 1931 a 1936, também sacudiu as massas ao ser julgado, em 1937, por envolvimento com o levante comunista ocorrido dois anos antes. Naquele tempo, o Rio era só agitação. De um lado, os integralistas de Plínio Salgado marchavam com o slogan “Deus, pátria e família”, inspirados no fascismo que crescia na Europa. Em contrapartida, a Aliança Nacional Libertadora e a União Nacional dos Estudantes (UNE) organizavam manifestações antifascistas. Um cenário pronto para o conflito.

Confrontos que, três décadas depois, teriam outros personagens. Nos anos 60, os cariocas oscilaram entre o entusiasmo com a queda de Jango e a indignação com o regime militar. Em 2 de abril de 1964, um milhão de manifestantes fez a Marcha da Vitória, festejando a ascensão dos militares ao poder. Mas em 1968, o jogo virou: a Passeata dos Cem Mil deu voz a quem queria o fim da ditadura. Desta época, o livro reproduz uma cena inesquecível: de minissaia, as atrizes Tônia Carrero, Eva Wilma e Odete Lara comandam um protesto pelo fim da censura.

— A história das manifestações também é a história dos espaços públicos da cidade. Inicialmente, o eixo das mobilizações era em torno do Campo da Aclamação (hoje Campo de Santana). Depois ocupou a Cinelândia e a Central do Brasil — observa o historiador.

Na Cinelândia, campanha das Diretas e contra Collor

Na década de 80, o eixo mudou outra vez de rumo. Seguiu na direção da Candelária, de onde partiu, das gargantas de um milhão de manifestantes, o grito de Diretas-Já, em 1984. Oito anos depois, a igreja foi o ponto de encontro para os protestos contra o presidente Fernando Collor, derrubado por um impeachment. Em 1995, ricos e pobres tentaram dar um basta à violência na manifestação “Reage Rio”.

— Fizemos textos curtos para valorizar as fotos. Foi um prazer viajar pela história dessa cidade tão revolucionária. — derrama-se Américo.

Mas, isso, os cariocas já estavam cansados de saber.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Leticia Helena

Fonte:O Globo