Rio de Janeiro, 21 de Maio de 2024

Tem gringa na Rocinha

Tem francesa no Largo do Boiadeiro. Mais precisamente Solange Watel, fotógrafa e editora de moda da revista francesa “20 ans”. Atenta ao caldeirão de cores, sons, cheiros e tipos que fervem às 11h da manhã na Rocinha, cada passo é um clique exotique chic .

Se tem coisa que deixa francesa maluca — principalmente se ela for do mundo fashion e se passou a infância no Brasil, como é o caso de Solange — é sandália havaiana e santo. No Largo do Boiadeiro ela encontrou uma mina de havaianas (as legítimas, vendidas quase como ouro na Galeries Lafayette em Paris), deslumbrou-se com o colorido das piranhas (o pregador de cabelo e não o peixe) e comprou quase todos os santos de uma casa de umbanda: uma iemanjá, a cabocla Jurema da Mata, o índio Cobra Coral. Mas custou a convencer a dona a fotografar pelo menos um pedacinho do lugar:

— Dá “quezila” (problema, olho grande). Não preparei os santos para a fotografia — explicou Vitória.

No embalo nordestino dogrupo de forró Calcinha Preta

Clínica dentária Sorridente, Sacolão da Felicidade de Deus, Peixaria Furacão dos Mares, de loja em loja, letreiro em letreiro, a gente vai passando pela Rua Servidão Leste. Trilha sonora é o que não falta e Sula Mino, dona da CD.com, explica à nossa francesa de plantão como é gostoso o nosso forró.

— O rei do forró romântico é o grupo Calcinha Preta com músicas como “Hello” e “Cobertor”. Ano passado, eles lançaram o CD aqui no Emoções, nossa casa de espetáculos. Temos o Lambadão Styllus, o Gaviões do Forró e o cantor do brega romântico horrível, Bartô Galeno. O pessoal gosta de dançar e ouvir Bartô Galeno tomando cerveja no bar à noite — conta Sula.

Sucesso do Bartô: “Carro-hotel”, em que canta: “Encontrei no porta-luva o lencinho que você esqueceu e num cantinho bem bordado o seu nome...” . Do estilo naïf (inocente) no frango ilustrando uma loja de aves ao visual pop do painel numa das esquinas, o Largo do Boiadeiro é arte pura... Vida dura, num grupo de garotos que vaga, meio deslocado, com os olhos esgazeados na primeira trip matinal... E ponto turístico cada vez mais visitado por grupos, que se impressionam com a organização da comunidade.

Solange: vontade de comerbuchada e moído de cabrito

No Rio desde 1920, quando era uma fazenda que recebia gente de Minas e de Campos, a Rocinha teve, a partir de 1975, uma explosão nordestina. Hoje, segundo Paulo Cesar Martins Vieira, presidente da Associação de Moradores e amigos do Bairro Barcellos, 99% dos habitantes são nordestinos ou descendentes.

— O seu Boiadeiro existiu mas partiu nos anos 70. Fui precursor do turismo aqui trazendo em 1972 o primeiro estrangeiro. Eu era moleque, tinha 11 anos e trabalhava como engraixate no hotel Nacional. Hoje recebemos mais de dez mil turistas por ano — conta Paulo Cesar, mais conhecido como Amendoim.

Razão do apelido: quando era pequeno foi comprar feijão e confundiu feijão com amendoim.

— Comi no meio do caminho e achei uma beleza — conta Paulo Cesar, que acha um absurdo o uso da palavra Slam (chiqueiro em inglês) para indicar a Rocinha nos mapas turísticos do Rio.

Solange quer voltar com mais calma. Não teve tempo de provar a buchada nem o moído de cabrito do bar Reriutaba.

— Você atravessa a rua e encontra o Fashion Mall do outro lado. Mas, de certa forma, o Largo do Boiadeiro tem mais vida.

Crédito:Fatima Nazareth

Autor:Heloísa Marra

Fonte:O Globo