Rio de Janeiro, 21 de Maio de 2024

A próxima viagem

Esqueça Paris, Roma e Londres. Que tal passar suas férias esparramado numa praia deserta na Tailândia, mergulhando em Seychelles ou fazendo trilhas na Tanzânia? Se tudo isso soa estranho, é bom comprar um mapa mundi e começar a habituar-se com lugares assim. Segundo um estudo publicado recentemente pela Organização Mundial do Turismo (OMT), nas próximas duas décadas assistiremos a uma expansão sem precedentes do número de viajantes. Em 2020 serão 1,5 bilhão de turistas gerando US$ 2 trilhões de receita, quatro vezes mais do que os US$ 500 bilhões atuais. Quem é candidato a botar as mãos nesse US$ 1,5 trilhão que vem por aí? Como os destinos tradicionais estão saturados, a OMT aposta justamente em países exóticos da África e da Ásia. Os destinos brasileiros que mais se aproximam do turismo apontado pelo estudo como promissor são santuários naturais como Lençóis Maranhenses, Fernando de Noronha e Chapada Diamantina. É uma grande notícia. A capacidade que a indústria do turismo tem de gerar riqueza é traduzida em estatísticas impressionantes. Nenhuma outra atividade econômica cresce tanto. Em 1950, eram 25 milhões de turistas. Hoje, são 700 milhões. Nenhum outro setor da economia gera tanto emprego. Técnicos da OMT calculam que, em média, cada 10 turistas representem um novo posto de trabalho. Exemplos do impacto transformador do turismo não faltam.

Imagine um vilarejo de 180 habitantes completamente isolado na selva tropical, sem luz, água e telefone. O aeroporto internacional mais próximo fica a 1.800 quilômetros de distância. A população de pescadores padece de doenças endêmicas e de todos os males causados pelo isolamento e pela miséria. Assim era Cancún em 1970. No mais espetacular projeto turístico que se tem notícia, o governo mexicano fomentou a construção de 120 hotéis por onde passam todo ano 4 milhões de pessoas, gerando uma receita de US$ 2 bilhões e mantendo 195.000 empregos diretos.

A razão desse sucesso instantâneo é a maneira pela qual o turismo é consumido. Qualquer produto de exportação, seja agrícola ou manufaturado, tem de viajar milhares de quilômetros para chegar ao consumidor. O processo envolve embalagem, transporte, armazenamento e distribuição. No turismo, ao contrário, é o cliente quem atravessa oceanos para consumir. Devido à enorme variedade de segmentos, gostos e atrações, é uma atividade que pode ser desenvolvida em qualquer lugar. Até mesmo no meio da selva mexicana.

Graças a pesados investimentos oficiais (e à vizinhança com os Estados Unidos, naturalmente), o México se tornou um dos dez países mais visitados do mundo. São 20 milhões de turistas por ano e US$ 8,3 bilhões de dólares de receita. As cifras brasileiras são muito mais modestas. Em 2001, recebemos 4,7 milhões de turistas, meio milhão a menos que em 2000. A queda - que atinge o mundo inteiro - explica-se por duas razões: os atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos, e a crise econômica mundial, que fizeram o turismo retroceder pela primeira vez desde 1982. No caso brasileiro, o fraco desempenho é conseqüência da desordem econômica na Argentina, que antes da crise enviava 1,5 milhão de turistas ao Brasil. ""Tivemos de redirecionar nossos investimentos para o turista europeu"", explica Nilo Sergio Felix, superintendente da Embratur no Rio. Para fortalecer essa estratégia de ação, o governo brasileiro investiu R$ 20 milhões em filmes publicitários. Desde o mês passado, comerciais de 45 segundos têm sido exibidos em 500 cinemas da Itália, Alemanha, Inglaterra, Portugal e França, e nas redes de TV CNN e BBC.

As previsões otimistas da OMT vêm a reboque da comprovação de que os golpes sofridos pelo setor, com os atentados terroristas e com a crise econômica, foram mais fracos do que o previsto e não terão impactos de longo prazo. Ano passado, 689 milhões de pessoas arrumaram as malas para fazer viagens internacionais, só 1% a menos que em 2000. O otimismo se fundamenta na revitalização da economia mundial, no avanço tecnológico dos meios de transporte, na difusão da internet como ferramenta para reservar passagens, hotéis e pesquisar preços, e no crescimento de linhas aéreas que oferecem vôos cada vez mais baratos. Conseqüência desse fenômeno é o sucesso de companhias aéreas como a irlandesa Ryanair, que oferece vôos de Londres a Bruxelas por US$ 11. Resultado, em 2001 tiveram um lucro de US$ 170 milhões e obrigaram a British Airways, maior companhia aérea da Inglaterra, a abaixar drasticamente seus preços. O pioneirismo do setor cabe à americana Southwest Airlines, que há 30 anos adotou essa estratégia de mercado. No esteira desse êxito, surgiram a inglesa Easyjet e a holandesa Buzz, que oferecem serviços semelhante aos da Gol e da Fly no Brasil. Viajar mais, pagando menos. Essa é apenas uma das facetas do turismo no futuro.

Outra, mais sombria, também já pode ser testemunhada no presente. O fluxo desenfreado de turistas pode ser um tiro no pé. Antes de virar balneário turístico, Maiorca era uma das regiões mais pobres da Espanha. Além de dólares - hoje a ilha tem a maior renda per capita do país - o turismo trouxe muita dor de cabeça para seus 600.000 habitantes. Maiorca não comporta mais os 14 milhões de visitantes anuais - três vezes mais do que recebe o Brasil. As conseqüências são excesso de lixo, poluição e racionamento de água. O governo local estabeleceu taxas e leis para tentar conter a entrada de turistas e, este ano, os maiorquinos estão comemorando uma queda providencial de 20% no setor.

Florença, na Itália, com 500.000 habitantes, também estuda meios de conter o fluxo de 11 milhões de turistas por ano. A população de Veneza e Capri, sempre às voltas com racionamento de água quando chega o verão, também estudam medidas para inibir visitantes. A superexploração do turismo de massa deixou em situação caótica vários aeroportos. Heathrow, em Londres, está no limite. Na Holanda, há alguns anos já se fala numa alternativa ao aeroporto de Schiphol. Exatamente por essas razões, a OMT acredita que a Europa e os Estados Unidos tenham poucas chances de faturar a maior parte dos dólares dos novos turistas. Em outras palavras, a procura por lugares selvagens e experiências exóticas, aliada à pouca capacidade de expansão dos destinos tradicionais, podem ser a tábua de salvação das esfarrapadas economias do mundo subdesenvolvido. Não é à toa que hoje o turismo já é o principal ganha pão de metade dos 50 países mais pobres do mundo. Para a OMT, a China, à medida em que se integrar à economia mundial, vai se tornar em pouco tempo o país mais visitado do mundo (veja quadro nesta página). A Europa continuará recebendo a metade do 1,5 bilhão de turistas do futuro, mas nos próximos 20 anos terá um crescimento anual de 3%, enquanto o turismo nos países asiáticos vai aumentar a uma média de 6,5% ao ano.

Na briga pelos novos turistas, quais as chances do Brasil? Para a OMT, o país manterá o quarto lugar nas Américas - atrás de americanos, canadenses e mexicanos - com 14 milhões de visitantes. No quesito viagens exóticas o Brasil tem lá seus encantos. ""Não adianta vendermos só sol e mar. Temos de incentivar o ecoturismo, um setor fortíssimo no país"", diz o superintendente da Embratur. Longe da polêmica causada pelo excesso de turistas, a paisagem lunar do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é séria candidata a entrar no roteiro de viagem de europeus e americanos. ""Estamos trabalhando para ampliar em 50% o número de visitantes"", diz José Maria Canavieira, coordenador do parque.

Há duas semanas, Oliver Hillel, coordenador do Programa de Ecoturismo das Nações Unidas, fez um alerta na revista americana Newsweek. ""O ecoturismo é uma indústria tão poluidora como outra qualquer"", afirmou. E ele não deixa de ter razão. O fluxo exagerado pode arrasar em pouquíssimo tempo qualquer paisagem paradisíaca. O Monte Everest, por exemplo, se tornou a maior montanha de lixo do mundo. Desde 1953, quando a primeira expedição atingiu o topo, os alpinistas deixam pelo caminho toneladas de latinhas de comida, cilindros de oxigênio, pilhas e restos de barracas. O governo do Nepal, que já retirou duas toneladas de entulho do Everest, pretende ainda retirar mais quatro nos próximos anos. Machu Picchu, a cidade dos incas perdida no alto da cordilheira peruana, também sofre os efeitos devastadores do excesso de turistas. Todos os anos, 300.000 visitantes abandonam toneladas de lixo nas ruínas. De quebra, o excesso de turistas aumentou os riscos de deslizamentos. Dois deles, um 1995, outro em 1996, quase lançaram a cidadela morro abaixo.

Apesar dos riscos, a OMT aponta que boa parte do boom do turismo acontecerá graças ao ecoturismo, uma atividade que surgiu nos anos 70 como a grande solução para preservar santuários ecológicos. A idéia foi comprada pela ONU, que fez de 2002 o ano internacional do ecoturismo. Mesmo assim, nem todo mundo aderiu ao oba-oba. A ONG Third World Network, sediada na Malásia, comanda uma campanha contra a difusão do ecoturismo.

Felizmente há bons exemplos de que a indústria do ecoturismo brasileiro está consciente dos riscos. O Parque Estadual de Ibitipoca, em Minas Gerais, limita a entrada de visitantes desde o ano passado. Antes da medida, chegava a receber duas mil pessoas em um único dia. Hoje, entram no máximo 800 nos fins de semana. Bonito, no Mato Grosso do Sul, escapou por pouco. No início dos anos 90, antes de virar capa de revistas de turismo, a cidade recebia 2.000 visitantes por ano. Hoje, são 100 mil. A devastação só foi evitada graças a uma série de leis municipais que limitaram o número de turistas nas cachoeiras e grutas da região. ""Sabemos que somos uma jóia rara e tentamos manter esse ambiente selvagem. É muito bom saber que uma onça comeu um bezerro numa fazenda da região"", diz o secretário municipal de turismo Ivan Batiston. Em Bonito, a maioria dos cartões-postais ficam dentro de propriedades privadas, o que não causa nenhum transtorno aos proprietários. ""Alguns ganham tão bem com os passeios que desistiram de criar gado"", afirma. Quem também adota a limitação de visitantes é Fernando de Noronha. Há mais de cinco anos só permanecem 450 turistas por dia na ilha. Até mesmo o isolado Parque Nacional da Chapada Diamantina tem tentado limitar a visitação pública, mas a direção tem encontrado dificuldade para controlar 1.520 quilômetro quadrado - 47 vezes o tamanho da Floresta da Tijuca - com apenas 35 funcionários. ""Não temos a menor idéia de quantas pessoas entram por dia aqui"", reconhece o diretor Humberto Barrios. Apesar da pouca estrutura, o governo brasileiro estima que em 2005 o ecoturismo deverá movimentar US$ 10,8 bilhões no Brasil.

A busca por um turismo alternativo também pode modificar os roteiros turísticos da cidade mais visitada do Brasil. No Rio, essa tendência significaria uma descentralização, que levaria cada vez mais visitantes a lugares como Lapa, Santa Teresa e Floresta da Tijuca. ""É preciso estimular novos roteiros"", afirma José Eduardo Guinle, secretário municipal de turismo. ""O Corcovado e o Pão de Açúcar terão sempre seu lugar, assim como a Torre Eiffel e o Coliseu. Mas o grande diferencial do Rio é que podemos oferecer uma diversidade muito maior de destinos"", diz.

Uma alternativa curiosa tem sido as visitas guiadas a favelas da cidade, um estilo de turismo social que tenta satisfazer uma demanda cada vez maior, principalmente entre os europeus. Na África do Sul, quase 10% das pessoas que passam por Cidade do Cabo e Joanesburgo acabam conhecendo suas favelas. Para os especialistas do setor, esse turismo consciente também está em alta. Por US$ 30 é possível reservar um assento numa excursão a Chernobyl, na Ucrânia, local onde ocorreu o maior acidente nuclear da história, em 1986. Cada vez mais turistas querem entrar no Museu da KGB, em Moscou, ou conhecer o túnel onde a Princesa Diana morreu, em Paris. A ambição por atrair mais visitantes fez com que os túneis escavados pelos vietcongues, no Vietnã, fossem ampliados para dar maior conforto para os turistas americanos, e o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, acabou sendo reformado para que as visitas terminassem no crematório onde foram incinerados mais de 65.000 corpos durante a Segunda Guerra. A próxima fronteira serão as estrelas. Uma pesquisa mostrou que um em cada cinco empresários americanos concordaria em pagar US$ 100.000 para passar 15 minutos no espaço.

 

Torre Eifel

A saturação de Paris (foto) e Roma ajudará destinos menos óbvios, como a Tailândia

Crédito:Marcio Vasconcellos

Autor:Cristiano Dias

Fonte:Domingo - Jornal do Brasil