Rio de Janeiro, 19 de Março de 2024

Vovó tinha razão

Agua com açucar e colo de mãe acalmam os bebes e ajudam a diminuir a dor.


Tese de doutorado na Unifesp testou 640 bebês neonatos submetidos a vacinação e constatou que oferecer uma solução glicosada a 25% e colocar a criança em contato direto com a pele da mãe dois minutos antes e durante o evento doloroso não só reduziu os indicadores de dor – mímica facial, freqüência cardíaca e saturação de oxigenação – como também diminuiu o tempo de duração desses sintomas.

A combinação das duas estratégias potencializou a resposta positiva e mostrou-se bastante eficaz como alternativa ao uso de medicamentos em recém-nascidos.


Na metodologia empregada, os neonatos foram divididos em quatro grupos: um deles recebeu glicose a 25% dois minutos antes da vacinação; um segundo grupo foi colocado em contato direto com a pele da mãe dois minutos antes e durante o procedimento; o terceiro grupo recebeu as duas abordagens; e havia também um grupo controle. Todas as crianças foram imunizadas contra hepatite B e a vacina foi aplicada sempre na coxa direita dos bebês.


A amostragem do trabalho foi composta por crianças avaliadas em uma maternidade de nível terciário do município de Belém (PA).

 

A pediatra paraense Aurimery Gomes Chermont, professora auxiliar de Pediatria na Universidade Federal do Pará e autora do estudo, constatou que a solução glicosada a 25%, administrada na dose de 1 ml em seringa, é eficiente para a estabilização de parâmetros fisiológicos de dor (freqüência cardíaca e saturação de oxigênio) e para diminuir a duração da resposta à dor.

O fenômeno ocorreria devido à liberação de opioides endógenos (substâncias “calmantes”, produzidas pelo próprio organismo), pela estimulação de receptores gustativos na cavidade oral.

Enquanto isso, o contato pele a pele conseguiu diminuir a duração da resposta à dor e atenuar a experiência dolorosa.

Ainda não há consenso sobre a origem desse efeito analgésico, mas acredita-se que derive de uma estimulação sensorial múltipla, na qual o toque, o cheiro da mãe e o fato de o bebê neonato escutar os batimentos cardíacos maternos talvez bloqueiem a chegada do estímulo ao sistema nervoso central, por ativação de vias inibitórias descendentes do córtex cerebral, por meio de interconexões sinápticas na própria medula espinal.

Outra possibilidade, de acordo com Aurimery, é que essa estimulação sensorial libere opioides endógenos para promover a analgesia.

A associação da glicose a 25% com o contato pele a pele foi mais eficaz na redução da dor do que cada uma das medidas analgésicas isoladas, de acordo com três escalas validadas de dor, demonstrando a presença de um efeito aditivo das duas abordagens não-farmacológicas para o alívio da dor aguda no período neonatal.

De acordo com Ruth Guinsburg, professora titular do Departamento de Pediatria da Unifesp e orientadora da tese de doutorado, a principal contribuição do trabalho está na possibilidade de usar as ações em conjunto, para reduzir a dor aguda de recém-nascidos a termo provocada por intervenções necessárias realizadas nos primeiros dias de vida, como a injeção de vitamina K, vacinação, coleta de exames laboratoriais e, em alguns bebês, as intervenções para tratar infecções e distúrbios metabólicos.

A docente também ressalta que esse trabalho mostra, de maneira clara, o efeito aditivo das duas intervenções analgésicas não farmacológicas, o que indica que a atuação de ambas deva ocorrer por mecanismos diversos no período neonatal. As hipóteses a respeito desses mecanismos de analgesia podem gerar pesquisas para desenvolver métodos de alívio da dor em recém-nascidos criticamente doentes. “O uso clínico dos resultados obtidos no presente estudo deve ser estimulado em todas as unidades que cuidam de recém-nascidos e sua extensão para prematuros e neonatos criticamente doentes deve ser analisada, uma vez que dor não é inerente ao atendimento neonatal”.  

Parâmetros mais precisos

Segundo a pesquisadora, os próximos passos de seu estudo devem avaliar a eficácia de soluções mais concentradas da glicose na redução da dor durante procedimentos dolorosos agudos rotineiros no atendimento neonatal. Outra linha de pesquisa deverá aprofundar a análise da associação da glicose a 25% com o contato pele a pele, a fim de formular diretrizes e indicações mais precisas para seu uso no atendimento dos recém-nascidos prematuros e criticamente doentes.  

Uma das perspectivas abertas pelo estudo é a redução no uso de medicamentos analgésicos em recém-nascidos, de acordo com indicações precisas para a utilização das medidas não farmacológicas. É importante lembrar que qualquer droga utilizada possui efeito colateral e, nesse contexto, a medicação analgésica, seja farmacológica ou não, deve ter sua indicação baseada em evidências cientificas.    

Mas, para a autora, ainda que esses riscos não existissem, outro argumento bastaria para justificar a abordagem proposta. Trabalhos realizados no exterior estimam que cada recém-nascido internado em unidade de terapia intensiva receba cerca de 50 a 150 procedimentos potencialmente dolorosos durante sua internação. “Tratar a dor de qualquer paciente é um imperativo humanitário e ético. Ainda mais em pacientes que não conseguem verbalizar seu desconforto”, completa.

 

 

Crédito:Luiz Affonso

Autor:Luiz Affonso

Fonte:Universo da Mulher