Rio de Janeiro, 17 de Maio de 2024

Sete meses de asilo para um infiel

Após sete meses preso em asilo pela amante, idoso de 85 anos jura fidelidade
 
Todos os casais vivem suas crises e a aventura extraconjugal do portuário aposentado Gilberto da Cruz, de 85 anos, não merecia castigo tão desumano. Ao ser infiel à companheira, Solange da Costa, de 58 anos, o idoso de reluzentes olhos azuis acabou trancafiado no asilo Lar da Paz, em Sepetiba, do qual só conseguiu se libertar há 10 dias, depois de sete meses de privações. Segundo inquérito instaurado na Delegacia do Idoso, ele teria sido vítima de um golpe engendrado pela amante, de 60 anos, que assim teria se apropriado da renda de R$ 1.200 mensais que o aposentado recebe do INSS.

Seu Gilberto não ignora quem lhe fez mal. Ele conta que a amante, Orchidea Duarte da Cunha, a filha dela, Miriam Duarte da Cunha, e uma conhecida identificada apenas como Rita forçaram-no violentamente a colocar as digitais de seu polegar em uma procuração, cujos termos ele ignorava, apesar de ser alfabetizado. Dias depois, as três o levaram para o asilo, sob o pretexto de fazerem uma visita. Lá, com a procuração que autorizava a internação, o abandonaram à mercê dos maus-tratos habituais dos lares de idosos. ""O asilo é tão ruim que tem uns coroas fazendo um plano de fuga, mas eu nem fugir podia, porque mal conseguia "", lembra o idoso, que teve sua recuperação de um atropelamento prejudicada nos sete meses de internação.

O aposentado explica que em sua união com Solange sempre preservou boa dose de independência: ""Como nunca fomos casados de papel, preferi morar sozinho em um quartinho aqui perto, deixando a Solange na casa dela. Prezo muito minha liberdade e sabe como é, né? Rapaz solteiro gosta de andar, eu me sentia assim e sempre fui muito andador. Um dia, fui andar com essa Déa (Orchidea) e me machuquei"", conta. Seu Gilberto agora mora na casa de Solange, em Oswaldo Cruz, com juras de fidelidade e a promessa de colocá-la como dependente na Previdência. Foi Solange e uma vizinha, Deusa, que denunciaram o caso ao Sindicato dos Servidores Federais do Rio de Janeiro.

No asilo, o velhinho já não mais acreditava na liberdade e confessou que pensava em morrer. Quando o sindicato, ao qual é filiado, enviou a assessora da presidência Eny Souza para socorrê-lo, sua primeira reação foi de incredulidade. ""Já perdi as esperanças. Todo dia me dizem aqui que vou sair na semana que vem, mas entra semana, sai semana e eu continuo aqui"", disse à época.

Cinco dias depois, ao ser libertado, numa ação que contou com a intervenção da Secretaria de Direitos Humanos, dos deputados estaduais Chico Alencar (PT) e Heloneida Studart (PT), seu Gilberto se emocionou: ""Estou com meus pés na calçada! Já posso tomar minha cerveja"", foram suas primeiras palavras.

Seu Gilberto é compositor bissexto, tendo tido até um samba (Assim como os meus olhos fitam os teus passos) gravado por RobertoSilva - dono do epíteto Príncipe do Samba, nos anos 30, e maior cantor do Brasil, segundo João Gilberto. ""O Roberto Silva e o Jorge Veiga iam sempre lá no porto procurar músicas para gravarem e volta e meia levavam alguma coisa minha"".

O aposentado está sem nenhum documento - a amante teria se apossado de todos -, mas o que ele lamenta mesmo é a falta de um cavaquinho. Seu Gilberto acredita que suas algozes tenham vendido o instrumento. ""Tenho para mim que elas não iam jogar fora um cavaquinho tão novo."" Agora, novamente de posse de um cartão bancário e de seus rendimentos, ele pretende vir ao Rio, na loja Guitarra de Prata, na Rua da Carioca, para comprar um novo cavaquinho e se matricular na escola de música da loja. ""Bato cavaquinho ao meu modo, mas ia ser melhor se eu fosse para escola"". A companheira Solange, ao seu lado, comenta: ""Só espero que ele não recomece a andar por aí novamente. Ô menino arteiro"", diverte-se.

Crédito:Anna Beth

Autor:Macedo Rodrigues

Fonte:Jornal do Brasil