Como toda mãe que cuida da educação do filho, a profissional liberal L., 45 anos, sabia que sua filha estava chegando à adolescência e que, em algum momento, teria que alertar a menina sobre o risco do envolvimento com drogas. A realidade, porém, surpreendeu esta mãe de classe média: há dois meses, L. tomou um susto ao flagrar a filha, de 13 anos, consumindo cocaína. Sem saber o que fazer, ela procurou ajuda e descobriu que dezenas de casos como este chegam diariamente ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Uerj. Nos últimos anos, a mudança no perfil dos pacientes chama a atenção dos especialistas: a idade dos usuários de drogas está diminuindo, chegou à faixa etária média dos 12 anos, a maioria vinda de famílias de classe média.
Em 16 anos de Nepad, nunca vi nada igual. A média de idade era de 20 anos, mas, desde 1996, a faixa etária dos usuários de drogas vem caindo. No cadastro do Nepad, já houve um caso de consumidor de cocaína de 8 anos. Estamos tão assustados que pedimos ajuda à Sociedade Brasileira de Pediatria. Dependendo do caso, temos que prescrever antidepressivos e procuramos saber quais os medicamentos indicados para crianças e pré-adolescentes diz Maria Thereza de Aquino, diretora do Nepad.
De acordo com pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com estudantes de 10 a 17 anos, em 14 capitais brasileiras, os jovens gaúchos e cariocas são os que mais usam drogas no país. Segundo a Unesco, a primeira experiência com drogas ocorre antes dos 15 anos; o consumo de cocaína entre jovens está crescendo; e 15% dos entrevistados do Rio e de Porto Alegre disseram que usam ou usaram drogas ilícitas.
J., de 14 anos, é uma das que ajudam a engrossar as estatísticas. Ela começou a usar drogas há um ano, numa festa. Em dois meses, o consumo virou hábito.
Meus amigos de infância se afastaram, diziam que eu estava estranha. Minha mãe não desconfiava... Era ausente, mas acho que agora ela pretende correr atrás do prejuízo conta J., que quer se livrar da dependência com psicoterapia.
A diretora do Nepad ainda não sabe explicar as razões do crescimento do consumo de drogas entre pré-adolescentes, mas arrisca uma hipótese:
Talvez a banalização do uso da maconha que muitos dizem ser inofensiva esteja contribuindo para este quadro. As drogas são mais um produto a ser consumido, numa sociedade cada vez mais consumista. As crianças não escapam disto. Não sabemos como um pré-adolescente tem acesso à droga. O mais comum é descobrir que ele gastou a mesada ou furtou dinheiro em casa.
Cláudio Jerônimo, coordenador do programa de tratamento de dependentes do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, diz que o acesso à droga está cada dia mais fácil na escola ou em festas:
O aumento da disponibilidade multiplica o número de experimentadores. Vejo muitos pais que foram consumidores de maconha e hoje não sabem o que fazer quando os filhos usam a erva diz Jerônimo.
Para o psicanalista Eduardo Losicer, a geração de pais que hoje tem 40 anos não pode vacilar no uso da autoridade diante do consumo de cocaína por crianças e adolescentes.
São casos de repressão pura e simples. Não há alternativa. Ainda acho que o problema mais grave entre crianças, a partir dos 10 anos, é o álcool. Há legiões de alcoólatras púberes no Rio diz Losicer, que é adepto da filosofia faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço e considera hipocrisia deixar de beber na frente da filha, embora se recuse a permitir que ela o acompanhe com um drinque.
A psicanalista Alice Bittencourt comenta que os pais da geração que tem hoje 40 anos se mostram despreparados para enfrentar o problema:
Há os que já fumaram e cheiraram muito e não se sentem no direito de reprimir os filhos. Eles agem como o avestruz e preferem não enxergar um drama com o qual não sabem lidar. E há os que reprimem demais porque já sofreram o diabo com as drogas. Nos dois casos, os pais não sabem lidar com o problema e devem procurar ajuda.
Para o psicoterapeuta Sander Fridman, a família deve oferecer modelos de vida aos dependentes químicos.
Ter um diálogo que não seja moralista com os filhos, falar francamente de emoções, pensamentos e angústias: tudo isso é importantíssimo para os pais quando se detecta o problema das drogas nos filhos. Os pais devem oferecer modelos de vida e de enfrentamento para as crianças e os adolescentes, sem se esconder dos problemas.
A advogada Flora Strozenberg acha que a redução da idade do envolvimento com drogas é conseqüência de famílias desestruturadas.
O estatuto da criança e do adolescente é claro ao dizer que os pais são responsáveis pela educação dos filhos e que, no caso do envolvimento com drogas, pode haver até a perda da guarda e do pátrio poder diz Flora.
Em 16 anos de Nepad, nunca vi nada igual. A média de idade era de 20 anos, mas, desde 1996, a faixa etária dos usuários de drogas vem caindo. No cadastro do Nepad, já houve um caso de consumidor de cocaína de 8 anos. Estamos tão assustados que pedimos ajuda à Sociedade Brasileira de Pediatria. Dependendo do caso, temos que prescrever antidepressivos e procuramos saber quais os medicamentos indicados para crianças e pré-adolescentes diz Maria Thereza de Aquino, diretora do Nepad.
De acordo com pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) com estudantes de 10 a 17 anos, em 14 capitais brasileiras, os jovens gaúchos e cariocas são os que mais usam drogas no país. Segundo a Unesco, a primeira experiência com drogas ocorre antes dos 15 anos; o consumo de cocaína entre jovens está crescendo; e 15% dos entrevistados do Rio e de Porto Alegre disseram que usam ou usaram drogas ilícitas.
J., de 14 anos, é uma das que ajudam a engrossar as estatísticas. Ela começou a usar drogas há um ano, numa festa. Em dois meses, o consumo virou hábito.
Meus amigos de infância se afastaram, diziam que eu estava estranha. Minha mãe não desconfiava... Era ausente, mas acho que agora ela pretende correr atrás do prejuízo conta J., que quer se livrar da dependência com psicoterapia.
A diretora do Nepad ainda não sabe explicar as razões do crescimento do consumo de drogas entre pré-adolescentes, mas arrisca uma hipótese:
Talvez a banalização do uso da maconha que muitos dizem ser inofensiva esteja contribuindo para este quadro. As drogas são mais um produto a ser consumido, numa sociedade cada vez mais consumista. As crianças não escapam disto. Não sabemos como um pré-adolescente tem acesso à droga. O mais comum é descobrir que ele gastou a mesada ou furtou dinheiro em casa.
Cláudio Jerônimo, coordenador do programa de tratamento de dependentes do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, diz que o acesso à droga está cada dia mais fácil na escola ou em festas:
O aumento da disponibilidade multiplica o número de experimentadores. Vejo muitos pais que foram consumidores de maconha e hoje não sabem o que fazer quando os filhos usam a erva diz Jerônimo.
Para o psicanalista Eduardo Losicer, a geração de pais que hoje tem 40 anos não pode vacilar no uso da autoridade diante do consumo de cocaína por crianças e adolescentes.
São casos de repressão pura e simples. Não há alternativa. Ainda acho que o problema mais grave entre crianças, a partir dos 10 anos, é o álcool. Há legiões de alcoólatras púberes no Rio diz Losicer, que é adepto da filosofia faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço e considera hipocrisia deixar de beber na frente da filha, embora se recuse a permitir que ela o acompanhe com um drinque.
A psicanalista Alice Bittencourt comenta que os pais da geração que tem hoje 40 anos se mostram despreparados para enfrentar o problema:
Há os que já fumaram e cheiraram muito e não se sentem no direito de reprimir os filhos. Eles agem como o avestruz e preferem não enxergar um drama com o qual não sabem lidar. E há os que reprimem demais porque já sofreram o diabo com as drogas. Nos dois casos, os pais não sabem lidar com o problema e devem procurar ajuda.
Para o psicoterapeuta Sander Fridman, a família deve oferecer modelos de vida aos dependentes químicos.
Ter um diálogo que não seja moralista com os filhos, falar francamente de emoções, pensamentos e angústias: tudo isso é importantíssimo para os pais quando se detecta o problema das drogas nos filhos. Os pais devem oferecer modelos de vida e de enfrentamento para as crianças e os adolescentes, sem se esconder dos problemas.
A advogada Flora Strozenberg acha que a redução da idade do envolvimento com drogas é conseqüência de famílias desestruturadas.
O estatuto da criança e do adolescente é claro ao dizer que os pais são responsáveis pela educação dos filhos e que, no caso do envolvimento com drogas, pode haver até a perda da guarda e do pátrio poder diz Flora.
Médicos ensinam pais a lidar com o problema Instituições de apoio a dependentes químicos oferecem tratamentos de curta ou longa duração com equipes multidisciplinares e acompanhamento terapêutico às famílias. Para Maria Thereza de Aquino, no entanto, a desestruturação familiar não pode ser usada como justificativa exclusiva para a procura das drogas: Sabemos que um ambiente com pais omissos e frágeis pode ser fértil para os jovens que buscam as drogas. Mas não se pode generalizar, porque nem todo filho de pais omissos vira dependente. Ela acrescenta, porém, que a reação dos pais é fundamental para a recuperação de um filho pré-adolescente envolvido com drogas: Estou vendo com muita preocupação a redução da idade daqueles que nos procuram. Se um adulto jovem precisa de cinco anos para tornar-se dependente, qual será o tempo que uma criança precisa? Ainda não sabemos. As drogas estão cada vez mais perigosas. A maconha de hoje não é a mesma dos anos 80. Está muito mais potente. Pais devem conversar com as crianças sobre drogas A diretora do Nepad afirma que os pais precisam exercer uma vigilância cada vez mais constante sobre os filhos, sobretudo quando se trata de crianças e pré-adolescentes. Os pais devem conversar com os filhos sobre drogas a partir dos 8 anos. E devem saber que as escolas, sozinhas, não têm condições de impedir que seus filhos entrem em contato com uma oferta cada vez maior diz. O Nepad, segundo ela, trata tanto pais quanto filhos: O acompanhamento dos pais é essencial. Eles não devem hostilizar os filhos, mas devem acompanhá-los no cotidiano. Ninguém pode esperar que a orientação venha dos professores. É hora de defender a prole a qualquer custo. Cláudio Jerônimo, do Albert Einstein, afirma que, na maioria das vezes, os casos levados ao departamento de dependência química do hospital são de filhos que têm pais distantes. O primeiro sinal de alerta para os pais é não saber onde está o filho e nem com quem ele anda. Quase todos os envolvidos com drogas que chegam ao hospital têm pais que desconhecem o seu cotidiano. Embora os especialistas não definam um perfil preestabelecido para a família de dependentes químicos, alguns acham características comuns aos adolescentes dependentes de drogas. A necessidade de auto-afirmação ou de identificação com um grupo específico; a revolta diante do sistema de valores familiares; a curiosidade e a necessidade de dominar as próprias emoções, de acordo com especialistas, são alguns dos motivos que levam às drogas. Tia do adolescente F., 16 anos, a designer V. conta que seu sobrinho, desaparecido há oito meses, não chegou a sentir os benefícios da psicoterapia. Na opinião de V., o conflito familiar pode ter levado F. a procurar as drogas. Meu sobrinho era um bom estudante. Queria ser independente e arrumou emprego numa confecção. O pai é alcoólatra, batia na mãe e ele assistia a tudo. Quando os pais se separaram, F. começou a fumar maconha. Logo passou para a cocaína. Foi expulso da escola, demitido, começou a vender jóias e objetos de valor da minha irmã para comprar cocaína e, por fim, saiu de casa. Procuramos núcleos de apoio a dependentes, levamos o caso à polícia, mas não tivemos mais notícias dele. Dependente precisaquerer largar o vício Com três filhos, sendo um deles a dependente química A.M, hoje com 31 anos, F.M diz que a procura de ajuda deve partir do dependente. Não adianta fazer marcação serrada, nem perseguir os filhos. É preciso procurar ajuda em núcleos de apoio ou deixar que eles cheguem ao fundo do poço. Só assim percebem que precisam de ajuda. Filha de F.M, A.M sofreu com o vício durante 14 anos até chegar às sessões dos narcóticos anônimos. Hoje, aos 31 anos, acredita que às vezes a repressão familiar atrapalha o tratamento dos dependentes. É uma questão particular e complexa. A única certeza que tenho é de que o drogado só alcança a cura quando toma a decisão de abandonar o vício. E tudo fica mais difícil sem o apoio dos pais. No meu caso, meu pai esteve até o fim ao meu lado e eu só acordei diante da iminência de perder a guarda da minha filha, hoje com 8 anos. Onde buscar ajuda NEPAD/UERJ: Rua Fonseca Teles 121, quarto andar, São Cristóvão ( 2589-3269, 2587-7148, 2587-7163). GRUPO DE ESTUDOS SOBRE O TRATAMENTO PSICOTERÁPICO DE TOXICODEPENDÊNCIAS: Coordenado pela médica Sabine Cavalcante (2589-8709; 2589-8372). VILA SERENA: Rua Professor Olinto de Oliveira 28, Santa Teresa (2556-0696 e 2556-6583). UNIAD/UNIFESP: Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo. O atendimento é gratuito (11-5575-1708). PROAD/UNIFESP (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes): Tratamento gratuito. Rua dos Otonis 887, Vila Clementina (11-5579-1543). UDED/UNIFESP (Unidade de Dependência de Drogas da Universidade Federal de São Paulo): Tratamento gratuito para dependentes de álcool; R$ 200 por mês para dependentes químicos (11-5539-0155, ramal 162. GREA (Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas/USP): Atendimento ambulatorial gratuito (11- 3064-4973). NARCÓTICOS ANÔNIMOS Rio de Janeiro: 21- 2533-5015; São Paulo:11- 5594-5657; Espírito Santo: 27- 3323 6699; Rio Grande do Sul: 51- 32912441; ou no site www.na.org.br. |
Crédito:Fatima Nazareth
Autor:Elisa Torres
Fonte:O Globo