Contribuições ao 50º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Documento N.º E/CN.4/1998/NGO/3 Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas - Genebra (com revisões)
INTRODUÇÃO:
Em dezembro de 1998 as Nações Unidas comemoraram o qüinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Conhecendo a grande transcendência desse evento, o CLADEM (Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), junto com outras organizações regionais e internacionais, desenvolveu uma proposta que pretendemos seja adotada pelos Estados Membros das Nações Unidas.
Assim como a Declaração de 1948 constituiu um código ético para a segunda metade do século de XX, nós consideramos necessário que hoje, no limiar do novo milênio, os Estados aprovem outro documento de proteção internacional dos direitos humanos que integre os avanços realizados na teoria e na prática dos direitos humanos desde 1948, sem invalidar, de forma alguma, as conquistas da Declaração Universal.
PREÂMBULO:
Considerando que a formulação contemporânea dos direitos humanos emergiu em um contexto histórico no qual o conceito de ser humano encontrava-se em grande medida limitado ao do macho, ocidental, branco, adulto, heterossexual e dono de um patrimônio; PREOCUPADAS pelo fato de que, por essa concepção limitada, os direitos de mulheres, indígenas, homossexuais e lésbicas, meninos, meninas, idosos, pessoas portadoras de deficiência e de outros grupos foram restringidos; CONVENCIDAS de que um conceito holístico e inclusivo de humanidade é necessário para a plena realização dos direitos humanos; REAFIRMANDO a indivisibilidade, universalidade e interdependência dos direitos humanos; ASSUMINDO que no presente contexto de crescente pobreza, desigualdade e violência, é crucial fortalecer e garantir a plena vigência e interconexão dos direitos ambientais, reprodutivos, econômicos, sociais e culturais; Considerando que esta Declaração de nenhuma maneira reduz a validade da Declaração Universal dos Direitos Humanos, nem de outros instrumentos internacionais de direitos humanos e que não autoriza atividades contrárias à soberania, à integridade territorial e à independência política dos Estados; PROPOMOS, por CONSEQÜÊNCIA, À ASSEMBLÉIA GERAL, EM SUA 53a. SESSÃO, o presente projeto, a fim de que o leve em consideração na elaboração de uma Declaração para o Século XXI.
I. DIREITOS DE IDENTIDADE E CIDADANIA
Artigo 1
1. Todas as mulheres e homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
2. Todos os seres humanos têm direito a desfrutar todos os direitos humanos, sem distinção alguma baseada em raça, etnia, idade, sexo, orientação sexual, deficiência física ou mental, idioma, religião, opinião política, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição.
Artigo 2
1. Toda pessoa tem direito a sua própria identidade como indivíduos, como membros de grupos com os quais se identificam, como membros de uma nação e como cidadãos(ãs) do mundo, com o grau de autonomia e autodeterminação em todas as esferas, necessário para preservar sua dignidade e seu sentido de auto-valía. Este direito à identidade não será afetado negativamente pelo matrimônio.
2. A escravidão, a servidão e o tráfico de mulheres, meninas e meninos em todas as suas formas, incluindo aquelas que possam ocorrer em relações familiares, estão proibidas.
Artigo 3
1. Todos os seres humanos têm o direito a uma participação igualitária e eqüitativa em organizações laborais, políticas e sociais, assim como ao acesso a cargos públicos eletivos e não eletivos.
2. Todos os Estados deverão eliminar obstáculos para o pleno e igualitário desfrute dos direitos cívicos por parte das mulheres. Em particular, as mulheres poderão adquirir a cidadania sem discriminação e exercer os mesmos direitos que os homens de participar em todas as esferas da vida pública e política da nação.
Artigo 4
1. Todo o ser humano tem direito a expressar sua diversidade étnico-racial, livre de preconceitos baseados em discriminação cultural, lingüística, geográfica, religiosa e racial.
2. Todos os seres humanos têm direito à proteção contra o etnocídio e o genocídio.
Artigo 5
1. Os povos indígenas têm o direito à autonomia e à autodeterminação e à manutenção de suas estruturas políticas, legais, educacionais, sociais e econômicas e seus modos de vida tradicionais.
2. Os povos indígenas têm direito à manutenção de suas relações comerciais e culturais e a manter comunicação através das fronteiras nacionais. 3. Os povos indígenas têm o direito individual e coletivo de participar no processo de adoção de decisões de seus governos locais e nacionais.
Artigo 6
As pessoas pertencentes a minorias étnicas, raciais, religiosas ou lingüísticas, têm direito a estabelecer suas próprias associações, a praticar sua própria religião e a utilizar seu próprio idioma.
II. DIREITO À PAZ E A UMA VIDA LIVRE DE VIOLÊNCIA
Artigo 7
Todas as pessoas têm o direito a uma vida livre de violência e a desfrutar da paz, tanto na esfera pública como na privada. Ninguém será submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Todas as formas de violência contra as mulheres constituem uma violação a seus direitos humanos. A violência não poderá ser usada para negar às pessoas seu direito à moradia, em particular a partir de evicções forçadas.
Artigo 8
1. As pessoas migrantes, deslocadas ou refugiadas e as pessoas em situação de desvantagem por razão de gênero, raça, etnia, idade, convicção ou qualquer outra condição, têm direito a medidas especiais de proteção frente à violência.
2. Todo o ser humano tem direito a uma vida livre de conflitos armados.
3. Os ultrajes perpetrados contra mulheres, meninos e meninas em situações de conflito armado, incluindo os assassinatos, as violações, a escravidão sexual e as gravidezes forçadas, constituem crimes contra a humanidade.
Artigo 9
1. Todas as cidadãs e cidadãos têm o direito a um orçamento nacional dirigido ao desenvolvimento humano sustentável e à promoção da paz por parte dos governos, incluindo medidas dirigidas à redução de despesas militares, `a eliminação de todas as armas de destruição massiva, à limitação de armamentos para estritas necessidades da segurança nacional, e à realocação destes fundos para o desenvolvimento.
2. As mulheres e os representantes de grupos em situação de desvantagem têm direitos a participar no processo de tomada de decisões no campo da segurança nacional e na resolução de conflitos.
III. DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS
Artigo 10
Todos os seres humanos têm direito à autonomia e à autodeterminação no exercício da sexualidade, que inclui o direito ao prazer físico, sexual e emocional, o direito à liberdade na orientação sexual, o direito à informação e educação sobre a sexualidade e o direito à atenção da saúde sexual e reprodutiva para a manutenção do bem-estar físico, mental e social.
Artigo 11
1. Mulheres e homens têm o direito de decidir sobre sua vida de reprodutiva de maneira livre e de exercer o controle voluntário e seguro de sua fertilidade, livres de discriminação, coerção e/ou violência, assim como o direito de desfrutar dos níveis mais altos de saúde sexual e reprodutiva.
2. As mulheres têm direito à autonomia na decisão reprodutiva, a qual inclui o acesso ao aborto seguro e legal.
IV. DIREITO AO DESENVOLVIMENTO
Artigo 12
1. Todo o ser humano tem direito a desfrutar dos benefícios do desenvolvimento humano sustentável, de acordo com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.
2. As decisões em relação às prioridades nacionais e à designação de recursos deverão refletir o compromisso da nação para a erradicação da pobreza e a plena realização dos direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo a saúde física e mental, educação, moradia adequada, garantia à alimentação, igual e eqüitativo acesso à terra, ao crédito, tecnologia, água potável e energia.
Artigo 13
Toda mulher e homem tem o direito e a responsabilidade de criar e educar a seus filhos e filhas, de realizar o trabalho do lar e prover as necessidades da família, inclusive depois da separação ou divórcio.
Artigo 14
1. Todas as pessoas têm direito ao trabalho lucrativo; à livre escolha de seu trabalho; à proteção contra o desemprego; a condições de trabalho seguras, eqüitativas e satisfatórias e a um nível de vida adequado. 2. Todas as pessoas têm direito a gozar das mesmas oportunidades e tratamento com relação: ao acesso para os serviços de orientação profissional e emprego; à segurança no emprego; à igual remuneração por um trabalho de igual valor, à segurança social e outros benefícios sociais, incluindo o descanso e a recreação.
V. DIREITOS AMBIENTAIS
Artigo 15
A responsabilidade transgeracional, a igualdade de gênero, a solidariedade, a paz, o respeito pelos direitos humanos e a cooperação entre os Estados são bases para a realização do desenvolvimento sustentável e a conservação do meio ambiente.
Artigo 16
1. Todas as mulheres e homens têm o direito a um ambiente sustentável e a um nível de desenvolvimento adequados para seu bem-estar e dignidade.
2. Todas as mulheres e homens têm o direito ao acesso a tecnologias sensíveis à diversidade biológica, à manutenção dos processos ecológicos essenciais e aos sistemas de conservação da vida na indústria, agricultura, pesca e pastoreio.
Artigo 17
1. Todas as pessoas têm direito a participar ativamente na administração e educação ambiental local, regional e nacional.
2. As políticas ambientais estarão dirigidas a: Prover os consumidores de informação adequada, compreensível para pessoas de todas as idades, idiomas, origem e graus de alfabetização. Promover a eliminação de produtos químicos e pesticidas tóxicos e perigosos para o meio ambiente, reduzindo os riscos de saúde que afetam as pessoas tanto no lar como no trabalho, em zonas urbanas e rurais. Fomentar a fabricação de produtos sensíveis a e respeitosos do meio ambiente, e que requeiram tecnologias não contaminadoras. Apoiar a recuperação de terras erodidas e desarborizadas; de bacias hidrográficas danificadas e de sistemas de abastecimento de águas que estejam contaminadas.
Crédito:Luiz Affonso
Autor:Luiz Affonso
Fonte:Universo da Mulher