Rio de Janeiro, 19 de Março de 2024

O bêbado e o equilibrista

O bêbado tem muita mais consciência do que o homem representa nos relacionamentos, por isso bebe. Para afogar seu fracasso em não conseguir constância na mudança. Para ser compreendido nas cafajestadas que infestam seu juízo, impondo-lhe que cometa seu pecado já.
 
O bêbado mente porque enxerga no mundo a dissimulação que nos obriga a ser educados calando a voz da indignação, para não pagar mico no papel de criador de caso, desaforado e polemista inveterado.
Então é melhor beber, para não ter preocupações. Para ter certeza de que certas coisas não se pode mudar. Nada o retirará da condição de miserabilidade que o empurra para a bebida. Não adianta se entregar ao amor, mesmo porque não tem amor para dar, no máximo empresta.
 
O bêbado transita numa atmosfera de eterno desejo e perpétua solidão com uma audácia desafiadora nos gestos e atitudes. Mas não consegue ligar os fios corretamente e colar todos os pedacinhos. É preciso coragem demais para ser feliz. Faça chuva ou sol não encontra conforto no mundo, se falta paz na alma.
 
O sonho de uma vida a dois aflora na golada que pulveriza seus neurônios por ser um sonho impossível. Na animação que incendeia sua alma não vislumbra a aurora de alguém gostar dele como é, o sexo não é seguro de encontrar resposta porque a ejaculação é precoce, tamanho o mínimo do ego. Por isso bebe, para esquecer a única mulher a quem amou. Mas que não o quis.
 
O bêbado não é só o halterocopista. É uma categoria de homem que também incorpora os perdidos na noite, na agonia de manter o equilíbrio no relacionamento como “casadinho” cujo recheio não combina com a liberdade que o bêbado procura no fundo do copo. Brincar de casinha exaure a imaginação que põe de pé a libido. Soa pesado o bêbado reconhecer que não tem mais idade para ser vítima da mulher. Pois ela o confunde com um apologista do amor-livre, um mero galinha egoísta, um caçador que necessita de assistência e acompanhamento terapêutico.
 
Imerso na angústia da não-realização, busca desesperadamente superar uma performance tão inconveniente quanto hostil diante do avassalador buraco da fechadura pelo qual as pessoas avaliam seus semelhantes. Mas o bêbado resolve jogar tudo pro alto ao se encaixar na vilania, deixando-se congelar numa infeliz resignação. Num exercício de futurologia, sua alma somente encontrará equilíbrio em 2050, quando os andróides tomarão o lugar do ser humano, falido por transformar o relacionamento num negócio que atenda à conveniência dos dois.
 
 

Crédito:Antonio Carlos Gaio

Autor:Antonio Carlos Gaio

Fonte:Universo da Mulher